Há cinco dias que em Torre Pacheco, uma pequena localidade de 40 mil habitantes na região de Múrcia, se respira ódio, racismo e xenofobia. Movimentos de extrema-direita invadiram o município numa “caça aos imigrantes”, depois de uma agressão a um homem de 68 anos, por parte de três jovens de origem magrebina.
Corpo do artigo
Três dos jovens detidos estes dias pela Polícia espanhola não são habitantes da localidade, mas elementos de movimentos de extrema-direita que aproveitaram a agressão para invadir a cidade. Encapuçados, armados com paus e barras de ferro, semearam o medo nas últimas noites. O Governo aumentou o número de agentes da polícia no terreno perante as sucessivas manifestações, que estão anunciadas até esta quinta-feira à noite.
Na origem destas convocatórias, que se têm difundido essencialmente nas redes sociais, estão vários grupos de extrema-direita. Um deles trata-se do Deport Them Now (Deportem-nos Já, em português, DTN) , uma organização que surgiu no início de 2025, durante a Remigration Summit 25, uma cimeira europeia celebrada em Itália para promover a deportação de imigrantes, e onde participaram ativistas de extrema-direita de vários países.
Na sexta-feira passada, no grupo do Telegram, que, entretanto, foi encerrado, a organização difundia mensagens racistas. “Vamos limpar Múrcia. ‘Moreno’ que vejamos, porrada. E se é um mouro idoso muito melhor. Tenho armas, punhos americanos e até um par de poços para os atirar lá para dentro se for preciso”, podia ler-se na troca de mensagens. Domingo passado, no mesmo grupo, alentava-se a criação de “patrulhas de moradores para caçar os magrebinos delinquentes” nos dias 15, 16 e 17 de julho.
A polícia prendeu, esta segunda-feira, um dos líderes do movimento em Espanha. Christian L. F., de 28 anos, com licença para trabalhar segurança privado, mas que não exerce a atividade neste momento. A Guardia Civil acusa-o de um crime de ódio.
Mensagens de ódio nas redes sociais
Além dos DTN, outros grupos de extrema-direita, com menor projeção, juntaram-se à convocatória de manifestações. É o caso do Desokupa, uma empresa que se dedica a desalojar casas ocupadas (com recurso, muitas vezes, a técnicas de duvidosa legalidade) e que tem, nas redes sociais, um perfil racista e contra a imigração, onde difunde várias mensagens xenófobas.
O seu líder, Daniel Esteve Martínez, anunciou na rede social X, que se deslocava para Torre Pacheco para ajudar os moradores a montar patrulhas cidadãs e que ia munido de sprays de defesa e outros “acessórios legais”. Num segundo vídeo, Martínez disse que tinha chegado à localidade com mais 40 pessoas, mas que tinha sido obrigado a abandonar Torre Pacheco pela Guardia Civil.
Democracia Nacional, um partido de extrema-direita fundado em 1995, que nunca conseguiu representação parlamentar, também se uniu às convocatórias de manifestações. Pedro Chaparro, líder do movimento, apelava a manifestações em todo o país. “Não há uma localidade em todo o país onde a invasão migratória não cause problemas de segurança e convivência. Deportações massivas”, escreveu no sábado.
No perfil do partido, são publicadas diariamente as linhas de ação dos militantes: “Organizar manifestações de agitação e propaganda. Localizar centros de ajuda aos imigrantes e dar-lhes visibilidade nas redes sociais. Organizar deslocações a lugares de conflito, como Torre Pacheco, para restabelecer a segurança nas ruas”.
Outro dos grupos radicais envolvidos nas manifestações é o Frente Obrero, que se apresenta como “um movimento patriótico e revolucionário que luta pelos trabalhadores e por Espanha”, contra “a ideologia de género” e pela “defesa das fronteiras. Alguns dos seus líderes foram vistos por estes dias em Múrcia.
Tensão política
A fogueira que lavra em Múrcia tem sido alimentada também a nível político, com o partido de extrema-direita Vox a somar-se às vozes que querem fazer da imigração um problema no país. Na semana passada, uma das porta-vozes do partido disse mesmo que o objetivo deveria ser “deportar oito milhões de imigrantes”, incluindo os descendentes, ou seja, pessoas já nascidas no país, para que Espanha pudesse “sobreviver como povo”.
“Dos 47 milhões de habitantes do nosso país, cerca de sete milhões — ou mais de sete, porque temos de ter em conta a segunda geração — oito milhões são pessoas que vieram de diferentes origens num período muito curto. Portanto, é extraordinariamente difícil adaptarem-se aos nossos costumes e usos.", disse Rocio De Meer. Este fenómeno, na sua opinião, levou a uma mudança na sociedade espanhola, "de tal modo que as ruas muitas vezes não pertencem aos espanhóis, e a tranquilidade de muitas cidades, bairros e praças não é a mesma."
Já com as ruas de Torre Pacheco em chamas, o líder do partido, Santiago Abascal, voltava a deitar mais gasolina. Numa conferência de Imprensa pediu “deportações dos imigrantes ilegais e dos legais que cometam delitos.
Em Múrcia, o líder do Vox na região, José Ángel Antelo, alinhava pelo mesmo discurso. “Avisámos que os espanhóis se iam cansar de pagar esta imigração ilegal que, em muitos casos, é a mesma que agride os nossos idosos na rua, a mesma que agride os homossexuais nas ruas, a mesma que viola as nossas filhas na rua. Não queremos gente assim. Vamos deportá-los a todos, não vai ficar nem um”, disse Antelo.
Vox denunciado por crime de ódio
PSOE e Podemos denunciaram o líder do Vox ao Ministério Público por um crime de ódio, e o organismo já disse que vai investigar o caso.
Por parte do Governo, os ministros dedicam-se a desmentir as associações entre criminalidade e imigração.
Esta terça-feira, a porta-voz Pilar Alegria dizia que 75% dos crimes em Espanha foram cometidos por espanhóis e apontava vários dados económicos que sublinhavam a necessidade da imigração. Sem os estrangeiros, Espanha teria uma população de menos de 40 milhões de pessoas; os imigrantes representam 14% das contribuições à Segurança Social e representam 30% dos trabalhadores na restauração e 40% dos que trabalham no campo ou em limpeza e cuidados ao domicílio.