A evolução do conflito na Ucrânia fez emergir novos debates no Parlamento Europeu, o que inclui a avaliação da integração europeia de Kiev, as sanções a aplicar à Rússia, o futuro da reconstrução e a emergência de repensar a política migratória do bloco comunitário.
Corpo do artigo
De que forma vê a adesão da Ucrânia à UE?
Isabel Estrada Carvalhais (PS)
"O estatuto de candidato da Ucrânia tem de ser visto com a devida atenção, não esquecendo também os restantes candidatos. Portanto, isto implica termos uma leitura muito consciente daquilo que será o desenho institucional da própria UE no futuro. Todos são bem-vindos, mas temos de pensar nas formas mais inteligentes de continuarmos a ter a Europa como um projeto favorável para todos - quer para os que vão entrar, quer para os que já cá estão. Independentemente da questão da adesão, é muito importante garantir que todos os membros cumpram os critérios essenciais".
José Gusmão (BE)
"Já demos um sinal importante com a validação da Ucrânia como um país candidato à UE. Agora, a adesão propriamente dita terá de seguir os tramites legais e ter em conta os critério de Copenhaga. E isso, obviamente, só poderá acontecer depois de a guerra terminar. Outro problema tem a ver com a forma como a UE constrói instrumentos que permitam este alargamento, já que temos tido envelopes cada vez mais pequenos para a política de coesão. Neste sentido, países com maiores capacidades, terão de contribuir mais para a política de coesão porque são os grandes beneficiários do mercado interno".
Nuno Melo (CDS)
"O que define a adesão são os critérios de Copenhaga, que indicam que um estado deve ser democrático, que respeite os direitos humanos, um estado que seja capaz de incorporar as deliberações jurídicas das instituições europeias e um estado que consiga acomodar o essencial do mecanismo da moeda única. Isto implica para a Ucrânia um esforço muito grande. Se agora votei a favor do estatuto de candidato, veremos como será em relação à adesão. Depois ainda há o lado estratégico, que é o esforço que os países terão de fazer. Tenho muitas dúvidas se para Portugal há interesse em diluir os fundos que nos chegam".
José Manuel Fernandes (PSD)
"O sinal que demos é muito positivo. É um sinal que encoraja a luta do povo ucraniano e, por outro lado, até é um agradecimento por estarem a defender os nossos valores. Ninguém tenha ilusões. Se o Sr. Putin já tivesse tido sucesso na Ucrânia, a esta hora já estava na Moldova. Temos de realçar outra coisa: é graças a Ursula von der Leyen que o processo avançou. Porque teve a coragem de decidir rapidamente sobre um parecer favorável, encostando à parede os governantes europeus. Olhando para António Costa, o primeiro-ministro andou aos ziguezagues com receio que os fundos europeus ficassem diminuídos ou que Portugal não tenha acesso ao mesmo volume. Mas a pergunta não pode ser 'o que é que nós vamos ganhar?', temos de pensar no que vamos dar. Apesar do processo de adesão poder ser longo, espero que não haja nenhum obstáculo artificial criado pelo Conselho".
João Pimenta Lopes (PCP)
"O processo de adesão da Ucrânia à União Europeia não deve ser dissociado do contexto político em que se insere, da situação na Europa e da guerra naquele país. Desde há muito que consideramos urgente parar a política de instigação do confronto. Consideramos que a integração de um país na UE para além de dever resultar de uma decisão soberana, democrática e informada de cada povo, face à natureza neoliberal, federalista e militarista deste processo de integração, deve ter como condição o acautelar dos seus impactos económicos, assegurando antecipadamente os adequados meios financeiros que garantam efetivamente uma convergência económica e social no sentido do progresso, sem penalizar países como Portugal".
Depois de seis pacotes de sanções à Rússia, considera que a UE pode tomar mais medidas para travar a ofensiva?
Isabel Estrada Carvalhais (PS)
"Não descarto a aplicação de mais sanções, ainda não chegamos ao limite. O limite é aquele que todos nós temos andado a evitar, que poderia culminar numa guerra com dimensões bíblicas. Mas considero que continua a haver espaço para mais sanções, e essa tem sido uma estratégia da UE, no sentido de ir intensificando as sanções e ir fragilizando as posições russas, procurando criar algum espaço negocial futuro. Mas é preciso ter em conta que decisões mais radicais poderiam ter custos elevados, não só a nível económico, como humano. Em relação à entrega de armas, se acreditamos que a Ucrânia tem feito a defesa do próprio Ocidente e dos valores da UE, então temos de continuar a apoiar aquilo que é a resistência ucraniana".
José Gusmão (BE)
"O problema é que muitas sanções que estão a ser aplicadas não estão a funcionar. Neste momento, a prioridade mais importante é dar um sinal de que desta vez a UE vai mesmo empreender a sua independência energética. Sem isso, os discursos sobre diminuir a capacidade militar da Rússia são completamente vazios, porque a verdade é que a UE está a financiar o esforço de guerra russo, inclusive com o aumento dos combustíveis. Está hoje a financiar mais do que antes de a guerra começar. Relativamente às sanções à oligarquia russa, sinceramente parece-me que tem faltado coragem para se criar os instrumentos que permitam dar eficácia a essas sanções. Tem de haver coragem para se criar um registo de ativos financeiros e exigir aos paraísos fiscais que forneçam toda a informação que têm disponível, porque há quem não queira abrir esse precedente, que hoje pode ser aplicado contra a oligarquia russa, mas amanhã pode ser usado para transparecer a lavagem de dinheiro dentro da UE. Por outro lado, considero que devemos armar a Ucrânia, pois trata-se de uma exigência de solidariedade".
Nuno Melo (CDS)
"A única coisa que não desejo é a aplicação de sanções militares. Tudo aquilo que devemos evitar é uma Terceira Guerra Mundial e a Rússia seria de uma imprevisibilidade que nenhum de nós deverá querer arriscar. Não invalida que não tenhamos que ser fortes e decisivos na reação, já que aquilo que a Rússia está a fazer é inqualificável do ponto de vista dos direitos humanos. As sanções económicas são, para já, o patamar possível e aceitável. Claro que as sanções económicas têm repercussões diretas na nossa economia, mas temos de estar disponíveis para não viver da mesma forma como vivíamos antes. Em relação ao envio de material bélico para a Ucrânia, concordo o mais possível. Neste momento, os ucranianos são a primeira linha da defesa das nossas liberdades enquanto sociedade ocidental. Se não queremos que o que está a acontecer na Ucrânia se estenda a outros países, devemos querer que a Ucrânia vença a guerra e para isso precisa de ajuda militar".
José Manuel Fernandes (PSD)
"As sanções são todas importantes. O apoio à Ucrânia em termos militares é essencial, ainda que a UE tenha como prioridade o apoio aos refugiados. Mas há uma outra vertente que é essencial: enfraquecer a máquina de guerra russa e, desse ponto de vista, as sanções são fundamentais. Outro ponto que é importante passa por um embargo total ao gás. Apesar de haver países que estão muito dependentes da energia russa, isto tem de avançar, porque temos dias em que damos mil milhões de euros para o Sr. Putin. Estamos a financiar a compra de armas. Nós não podemos, por um lado, estar a financiar a Ucrânia e, por outro lado, estar a financiar a Rússia".
João Pimenta Lopes (PCP)
"As sanções inserem-se na opção de instigação do confronto. Os seus efeitos devastadores e os aproveitamentos que delas tem sido feito por parte de alguns grupos económicos, que estão a lucrar com esta situação, aí estão a demonstrar que as suas principais vítimas são os povos - o povo russo, o povo ucraniano e os demais povos da Europa. São necessárias iniciativas que contribuam para a desescalada do conflito, para o cessar-fogo e para um processo de diálogo tendo em vista uma solução negociada e a paz. Um processo que, numa perspetiva mais ampla, vise dar resposta aos problemas de segurança coletiva e do desarmamento na Europa, ao cumprimento dos princípios da Carta da ONU e da Ata Final da Conferência de Helsínquia".
Como é que perspetiva a reconstrução da Ucrânia no pós-guerra?
Isabel Estrada Carvalhais (PS)
"Ao longo destes anos, a Europa tem caminhado sempre de sobressalto em sobressalto e a verdade é que quando olhamos para o passado temos sempre esta ideia de que houve períodos dourados do projeto europeu. Não podemos dizer que no passado não tenhamos assistido a momentos de crise que podiam levar ao do projeto europeu, portanto acredito que no futuro isso também acontecerá, tanto no seio da UE como na Ucrânia com o apoio de todos os países".
José Gusmão (BE)
"A reconstrução da Ucrânia, do nosso ponto de vista, deve passar por uma anulação da dívida da Ucrânia e por um apoio para a reconstrução que não sejam empréstimos. Esta montanha de dívidas irá ajudar a Ucrânia a manter-se parada e sem capacidade de se relançar economicamente. Isso faz-nos refletir se queremos uma união de competição, onde há estados que ganham e estados que perdem. Eu penso que muitas das reservas em relação à adesão da Ucrânia têm a ver com a forma como a UE funciona, onde países têm modelos de desenvolvimento que são feitos à custa de outros estados-membros. A longo prazo, e se queremos recuperar, temos de mudar esta lógica".
Nuno Melo (CDS)
"Suponho que sobretudo os EUA e a UE se vão comprometer fortemente no processo de reconstrução da Ucrânia. Às vezes as reconstruções trazem oportunidades, e neste caso, pode ser bom para que a Ucrânia se consiga adaptar às necessidades de um país quer fazer parte da UE. Mas será um processo difícil e demorado".
José Manuel Fernandes (PSD)
"Primeiro de tudo temos de ter governantes competentes. Há muitos fundos, mas têm de ser bem coordenados para darmos resposta aos nossos objetivos. Os estados têm de fazer um trabalho para analisar de que forma os fundos pode ser aplicado para dar resposta à crise. Está nas mãos dos estados-membros flexibilizar o que possuem".
João Pimenta Lopes (PCP)
"Os impactos da guerra serão obviamente tanto mais profundos, duradouros e generalizados quanto mais prolongada esta guerra for. Razão pela qual se impõe como prioritária a procura de caminhos para a paz e não o prolongamento da guerra - cenário em que os EUA, a NATO e a UE declaram estar apostados".
Tendo em conta o fluxo migratório consequente da guerra, considera que os 27 estados-membros estão preparados para receber refugiados?
Isabel Estrada Carvalhais (PS)
"Eu diria que a onda humanitária que se gerou em torno dos refugiados ucranianos é a prova de que a Europa tem condições para acolher quando quer. A Europa tem de retirar lições muito claras disto tudo porque, no futuro, vamos ter novamente outras pessoas, de outras partes do Mundo, que vão precisar de asilo. A Europa tem de estar preparada para não fazer uma seleção das pessoas em função do seu credo, da sua cor de pele ou da sua origem étnica, como tem acontecido. Nesse aspeto a Europa não tem sido muito congruente, pois apresenta um discurso, mas depois tem uma prática que nem sempre vai ao encontro daquilo que é a sua retórica na defesa dos direitos humanos. É muito importante que a solidariedade que foi demonstrada no início desta guerra se mantenha".
José Gusmão (BE)
"De uma forma geral, o acolhimento da UE aos refugiados ucranianos tem sido muito melhor do que a política que houve em relação a outros fluxos de refugiados. Temos defendido que a política da UE em relação aos refugiados da Ucrânia deveria fazer doutrina, mas infelizmente não parece que vá ser assim. O que estamos a ver é a Finlândia e a Suécia a sacrificarem os curdos para poderem aderir à NATO. Vimos agora a tragédia em Melilla. Por outro lado, o drama no mediterrâneo também continua, mesmo que se fale menos dele. A política de migrações da UE tem sido uma política de dois pesos e duas medidas. Em muitos casos é impossível afastar a ideia de que as motivações têm simplesmente a ver com as proveniências dos refugiados. Ora esse não é critério para uma política de asilo de uma União Europeia que se queira afirmar como um espaço de excelência para os direitos humanos".
Nuno Melo (CDS)
"Os estados-membros prepararam-se muito rapidamente para receber os refugiados. Nós estamos a falar de ucranianos e ao falar de ucranianos estamos a falar de europeus. A questão tem a ver com a cor da pele, tem a ver com a identidade judaico-cristã. Nós quando falamos da Ucrânia estamos a falar de um país que é agora candidato à UE, estamos a falar de pessoas que têm capacidade de integração. O que se irá a suceder do ponto de vista das migrações deverá ter uma resposta melhorada, o que não é tolerável é que aconteça o que aconteceu recentemente no Norte de África".
José Manuel Fernandes (PSD)
"A União Europeia já avançou com mais de 4 mil milhões de euros e os estados estão a ser apoiados. Espero é que não fiquem com o dinheiro destinado aos refugiados".
João Pimenta Lopes (PCP)
"O fluxo de refugiados é uma das consequências desta como de outras guerras. Aquilo que se impõe, para lá de uma resposta rápida, solidária e não discriminatória aos milhares de seres humanos que se vêm obrigados a deixar os seus países, muitas vezes arriscando a própria vida, em busca do direito à paz, ao trabalho e a condições dignas de vida, é uma abordagem que passa pelo ataque às causas de fundo do problema - a rejeição da guerra e da desestabilização, o respeito pela soberania e independência dos Estados, pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional, a consagração de genuínas políticas de cooperação para o desenvolvimento, que assegurem os direitos, o progresso social e a paz".