Dois antigos mercenários do grupo Wagner confessaram ter matado dezenas de crianças e adolescentes ucranianos em Bakhmut e na região de Donetsk, durante os seis meses que participaram no conflito. Prisioneiros de guerra foram torturados antes de morrerem.
Corpo do artigo
Alexey Savichev foi recrutado pelo grupo Wagner em setembro do ano passado para integrar a frente de combate russa na Ucrânia. O ex-mercenário participou em execuções sumárias de prisioneiros de guerra ucranianos durante os seis meses que esteve no país.
"Foi-nos dito que não levássemos prisioneiros e que os matássemos", revelou numa entrevista telefónica concedida ao jornal britânico "The Guardian". Enquanto lutava perto da cidade de Soledar, Savichev participou nos homicídios de 20 soldados ucranianos, que estavam cercados. ""Pulverizámo-los com as nossas balas", disse. "É guerra e não me arrependo de nada do que fiz. Se pudesse, voltava", garantiu. Juntamente com outros combatentes do grupo paramilitar russo, o homem de 49 anos adiantou ainda que matou "várias dezenas" de prisioneiros de guerra feridos ao "atirar granadas" para a vala onde foram mantidos perto da cidade de Bakhmut, em janeiro. "Também torturávamos soldados, não havia quaisquer regras", acrescentou.
O primeiros relato das atrocidades cometidas por Savichev ao comando do grupo Wagner foi publicado na segunda-feira pelo grupo de direitos Gulagu.net, num vídeo de uma hora e 17 minutos onde apareceu ao lado de outro ex-mercenário, identificado como Azamat Uldarov, que também revelou ter matado civis, incluindo crianças, durante os combates em Bakhmut.
"Matei crianças com [as minhas próprias] mãos", disse Uldarov no vídeo. "Ao entrarmos em Soledar e Bakhmut, recebemos a ordem de destruir toda a gente: homens, mulheres, crianças, idosos. Ela gritava, uma menina, não sabia se tinha cinco ou seis anos. E eu matei-a. Um tiro controlado [na cabeça]".
De acordo com os próprios, decidiram pronunciar-se devido às condições desumanas e à tortura que tiveram de suportar, e agora procuram dizer a verdade sobre os crimes do Wagner na Ucrânia, contra ucranianos e mesmo contra os seus próprios recrutas. Uldarov disse a Vladimir Osechkin, diretor do grupo de direitos Gulagu, atualmente exilado em França, que não queria ser contactado para comentários.
Não foi possível confirmar a veracidade destas declarações de forma independente, mas o "The Guardian" teve acesso aos documentos penais russos que demonstravam que Savichev, um assassino condenado, foi libertado de uma prisão em Voronezh, no sudoeste da Rússia, com um indulto presidencial a 12 de setembro. O grupo liderado e fundado por Yevgeny Prigozhin recrutou dezenas de milhares de reclusos, incluindo assassinos condenados, para lutar no leste da Ucrânia. Caso sobrevivessem os seis meses de combates, a recompensa era o regresso à liberdade. Alexey Savichev é um homem livre desde o dia 12 de março.
De acordo com o relato do ex-prisioneiro, dos 100 homens recrutados da prisão em Voronezh, apenas 21 regressaram. Segundo as estimativas ocidentais, o Wagner sofreu mais de 30 mil baixas, na maioria ex-reclusos, desde o início da invasão da Ucrânia.
Estes testemunhos aumentam o leque de atrocidades cometidas pelos soldados russos na Ucrânia, que constituem crimes de guerra.
Zelensky acusa russos de decapitar prisioneiro de guerra
Na semana passada, Zelensky acusou os soldados russos de decapitar um prisioneiro de guerra ucraniano. "Esses monstros matam facilmente. O mundo tem de ver o vídeo da execução do prisioneiro de guerra ucraniano. É um vídeo da Rússia tal como ela é", afirmou o chefe de Estado da Ucrânia numa mensagem publicada na rede social Instagram e citada pela Agência France-Presse. A Rússia negou as acusações.
Em resposta à entrevista publicada pelo Gulagu, o chefe de gabinete de Zelensky, Andriy Yermak, disse que os responsáveis deveriam ser punidos. "A confissão não é suficiente. Tem de haver um castigo. Duro e justo", escreveu no Twitter.
Desde o início da guerra, vários soldados russos fugiram para o estrangeiro e descreveram ter testemunhado crimes de guerra russos, mas o testemunho de Savichev é um relato raro de um antigo soldado Wagner que ainda está na Rússia. Desde que deu a primeira entrevista na segunda-feira, o ex-mercenário recebeu "múltiplas" ameaças segundo relatou ao "The Guardian".
Yevgeny Prigozhin, líder e fundador do grupo paramilitar, desmentiu as declarações dos dois antigos soldados Wagner e reafirmou que os mercenários "nunca tocaram e não tocam" em crianças.