Escalada da ideologia conservadora ensombra estados europeus que vão a votos em 2023. Resultados dependem do "curso económico deste ano", considera especialista.
Corpo do artigo
No seio do Velho Continente observa-se uma mudança na preferência dos eleitores. Acentua-se o desgaste em relação aos partidos que governam, o que pode espoletar a ascensão da extrema-direita. No ano passado, a Direita conservadora conseguiu ganhar fôlego nas eleições presidenciais e legislativas de França. Já em Itália conseguiu mesmo alcançar o poder, com a chegada de Giorgia Meloni ao cargo de primeira-ministra. Quais as perspetivas para a Europa em 2023? Na ótica de Pedro Ponte e Silva, investigador da Universidade Portucalense, os escrutínios serão, em grande parte, influenciados pela evolução da situação económica.
Finlândia: eurocéticos afirmam-se
O país nórdico liderado por Sanna Marin, do Partido Social-Democrata (SDP), vai a votos a 2 de abril - altura em que a política passará pela primeira prova de fogo enquanto líder.
No entanto, segundo uma sondagem publicada no início desta semana pelo canal finlandês Yle, há uma forte possibilidade das legislativas resultarem numa vitória conservadora, o que implica um fracasso para Marin. O Partido da Coligação Nacional (NCP), de cariz liberal-conservador, está em primeiro lugar com 21,6% das intenções de voto. Em segundo surge o SDP, com 19,1% e, em terceiro lugar, o Partido dos Finlandeses (PS), que se carateriza por ser nacionalista, eurocético e anti-imigração, com 18,4%. Os resultados das sondagens têm oscilado, o que, a menos de dois meses do escrutínio, não faz prever quem será o novo chefe de Governo. O PS já esteve à frente do SDP, o que faz com que a Imprensa aponte Riikka Purra, presidente do partido, como uma provável líder do Executivo.
A disputa aguerrida faz com que alguns especialistas acreditem que a formação de um Governo só será possível através de uma aliança que poderá ter de ser sustentada pelo poder de Purra - que já deixou claro que o PS quer deixar a UE. Em relação à NATO, mostra-se mais aberta, mas defende um debate profundo.
Turquia: Erdogan mantém-se seguro
Um mês depois, a 14 de maio, também os turcos vão ser chamados às urnas, com o presidente Recep Tayyip Erdogan a tentar estender o mandato. Pesquisas verificadas pelo Middle East Eye indicam que o apoio ao líder - há 20 anos no poder - subiu e que, se a eleições fossem em janeiro, entre 40% e 42% dos inquiridos votariam para o conservar.
O impulso na popularidade de Erdogan deve-se, segundo o "The New York Times", ao aumento dos gastos governamentais para apoiar a campanha, o que passa por uma aposta na melhoria nas condições de vida da população - que, no último ano, sofreu com uma das maiores taxas de inflação do Mundo (84%).
A boa imagem do presidente pode ainda ser justificada pelo papel que tem exercido como mediador da guerra. Ainda assim, não se livra de uma oposição empenhada em fazê-lo cair.
A coligação Aliança Nacional, que contempla seis partidos, mas exclui o pró-curdo Partido Democrático dos Povos, compromete-se a equilibrar os poderes, depois de, em 2017, Erdogan ter alterado o sistema para um regime presidencialista, sendo reeleito após um ano.
Em 2023, esta é uma das votações a que o Mundo estará mais atento, até porque "o que acontece na Turquia não fica na Turquia", lembrou Ziya Meral, investigador do Royal United Services Institute for Defense and Security Studies, ao jornal "The Washington Post". "Os grandes estados têm interesse nas eleições turcas", realçou, sobretudo devido ao papel do país no âmbito da NATO.
Grécia: retórica antimigratória
Kyriakos Mitsotakis, primeiro-ministro grego e líder do partido Nova Democracia (ND), mostra-se bem encaminhado para continuar no poder, embora ainda não esteja fixada uma data para o escrutínio. O "The Guardian" assinala uma sondagem na qual o ND reúne 37% das intenções de voto. Já o Syriza (Esquerda) conta com 29% das preferências, contra os 12% do Pasok (social-democrata). O partido extremista Solução Grega, que surgiu com o fim da Aurora Dourada, surge com 4%.
Nos últimos quatro anos, a Grécia continuou a ser o epicentro da crise dos refugiados, com o Governo a assumir uma retórica de intolerância contra os requerentes de asilo. Em 2022, Atenas impediu cerca de 260 mil migrantes de entrar ilegalmente no território, alegando a necessidade "de proteger a fronteira". Apesar da estratégia conservadora ser amplamente criticada pela União Europeia (UE), internamente tem-se mostrado frutífera. Ainda assim, Mitsotakis tem dois fantasmas a enfrentar: a crise económica e o escândalo do "watergate"grego.
Polónia: um pedra no sapato da UE
O partido conservador Lei e Justiça (PiS) lidera a Polónia desde 2015, com Mateusz Morawiecki como chefe de Governo. Em 2019, alcançou uma maioria absoluta com 44,6% dos votos. Já o partido de extrema-direita Confederação tornou-se na quinta força, tendo conquistado 6,8% dos votos.
Quatro anos depois, as sondagens ainda não descodificam qual será o desfecho da votação de outubro, tendo em conta que a oposição está muito dividida, o que pode fazer com que os diferentes partidos não consigam formar Governo.
Na mira de Morawiecki está Donald Tusk, líder da Plataforma Cívica, atualmente o maior partido da oposição. A seu favor, o líder tem o facto de grande parte dos eleitores do PiS se manterem fiéis. Sondagens recentes, no entanto, indicam que a maioria dos polacos culpa a força política pelo congelamento dos fundos da UE. As relações entre Varsóvia e Bruxelas têm-se deteriorado devido às políticas internas adotadas, que, muitas das vezes, constituem infrações das normas europeias. "Os estados-membros estão fartos que a Polónia esteja sempre a minar o que a UE representa", considera Judy Dempsey, especialista da Carnegie Europe, em declarações ao "Bloomberg", acrescentando que uma mudança no poder seria benéfica para a Europa. Tal poderá ser difícil devido aos avanços da Direita nos últimos anos, o que fica explícito pela distribuição parlamentar atual.
Espanha: aliança de Direita à vista
As legislativas espanholas têm data marcada para o final do ano, com Pedro Sánchez a ver o lugar que ocupa a ser cada vez mais ameaçado. Uma sondagem publicada no jornal "El Confidencial", no final do mês passado, indica que o Partido Popular (PP) conta com 29,9% das intenções de voto, situando-se três pontos à frente do partido do primeiro-ministro (PSOE), que não tem conseguido melhorar, ao ficar com 27%. Já o Vox, partido de extrema-direita liderado por Santiago Abascal, cai para 14,9% face aos 18,2% registados em dezembro. Ainda assim, o líder da Direita conservadora pode respirar de alívio, já que, apesar de a grande maioria das sondagens dar uma vitória ao PP, o partido deverá precisar de acordos à Direita para conseguir formar um Executivo.
"O PP tem alinhado frequentemente com o Vox e é provável que continue a fazê-lo", analisa Pedro Ponte e Sousa, que justifica a queda dos conservadores com o facto de o partido de Alberto Núñez Feijoó ter renovado as lideranças e adotado uma ideologia mais radical. "Assim, encurta-se um pouco o espaço eleitoral do Vox", explica.
Pedro Sánchez, por sua vez, depende do sucesso das políticas que adotou recentemente para combater a crise, tal como da capacidade para conter as políticas mais extremistas dos aliados à Esquerda (Unidas Podemos). Continuará, em paralelo, ensombrado pelo conflito com a Catalunha, pois o tema do independentismo permanece aceso.
Como trunfos, o chefe de Governo tem o facto de as estimativas apontarem que Espanha deverá escapar à recessão. O Executivo, por outro lado, também já anunciou um pacote de 10,6 mil milhões de euros para combater os efeitos da inflação junto das famílias.
Outras eleições
Chipre
É já este domingo que o Chipre vai a votos para eleger o próximo presidente da República. Segundo as sondagens, nenhum dos três candidatos, todos eles próximos do chefe de Estado cessante, Nicos Anastasiades, obterá mais de metade dos votos - o resultado necessário para uma vitória à primeira volta.
Bulgária
A Bulgária realiza a 2 de abril as quintas eleições gerais em dois anos. O escrutínio de 2 de outubro de 2022 foi ganho pelo partido populista GERB, que ficou à frente do partido pró-europeu Continuemos a Mudança (PP), ambos com um número insuficiente de assentos parlamentares para formar um Executivo a solo. O Parlamento búlgaro está muito fragmentado, com sete partidos a manter vetos cruzados e divididos a favor e contra a Rússia após a ofensiva contra a Ucrânia.
Pedro Ponte e Sousa, especialista em Relações Internacionais
É difícil ignorar os partidos populistas
A extrema-direita pode, este ano, tomar conta de uma grande parte do espaço político europeu?
Tudo dependerá daquilo que for o curso económico deste ano. Estamos a assistir a um grande aumento da tensão social em grande parte dos países europeus e a uma dificuldade dos Governos no poder em responder aos problemas causados pela inflação e pelo aumento dos orçamentos em segurança e defesa, o que resulta em menor disponibilidade financeira para outras questões. Quanto pior for este panorama, maior será o potencial para a ascensão da extrema-direita.
Quais os perigos da ascensão deste fenómeno?
Há circunstâncias de natureza local que vão moldar cada país. Tudo depende da forma como o sistema político de cada Estado lida com isto. Em alguns casos, a opção tem sido estabelecer uma linha vermelha contra estes novos grupos. Outra opção tem sido incluí-los de alguma forma. Em grande parte dos casos, a extrema-direita parte do seio da Direita tradicional, e isso aconteceu em Portugal com o caso de André Ventura e a criação do Chega. Normalmente, a partir do momento em que estes partidos populistas ganham uma dimensão muito grande, como foi o caso de Itália, no ano passado, torna-se difícil às restantes direitas ignorá-los, o que resulta, na maior parte dos casos, em alianças políticas.