O líder do movimento islamita palestiniano Hamas, Ismaïl Haniyeh, classificou esta quarta-feira como "uma ilusão" qualquer solução política para a Faixa de Gaza após a guerra com Israel sem a participação dos "movimentos de resistência" palestinianos.
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"Qualquer acordo em Gaza ou relativo à causa palestiniana sem o Hamas ou os movimentos de resistência é uma ilusão", declarou Ismaïl Haniyeh, a partir do Qatar, num discurso transmitido pela televisão.
Os seus comentários foram uma resposta às declarações do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, que excluiu na terça-feira "a entrada em Gaza daqueles que educam para o terrorismo, apoiam o terrorismo e financiam o terrorismo", referindo-se ao Hamas, grupo contra o qual Israel está em guerra desde 7 de outubro.
Ismaïl Haniyeh sublinhou, contudo, estar disposto a discutir "o fim da agressão a Gaza" e a "restaurar a ordem na casa palestiniana, tanto na Cisjordânia como na Faixa de Gaza".
Segundo o dirigente, o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) está disposto a discutir "uma via política que garanta o direito do povo palestiniano a um Estado independente com Jerusalém como capital".
A 7 de outubro, combatentes do Hamas - desde 2007 no poder na Faixa de Gaza e classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e Israel - realizaram em território israelita um ataque de proporções sem precedentes desde a criação do Estado de Israel, em 1948, fazendo mais de 1200 mortos, na maioria civis, 5000 feridos e cerca de 240 reféns.
Em retaliação, Israel declarou uma guerra para "erradicar" o Hamas, que começou por cortes ao abastecimento de comida, água, eletricidade e combustível na Faixa de Gaza e bombardeamentos diários, seguidos de uma ofensiva terrestre ao norte daquele território, que entretanto já se estendeu ao sul.
A guerra entre Israel e o Hamas, que hoje entrou no 68.º dia e continua a ameaçar alastrar a toda a região do Médio Oriente, fez até agora na Faixa de Gaza mais de 18 mil mortos, na maioria civis, e mais de 50 mil feridos, de acordo com o mais recente balanço das autoridades locais, e cerca de 1,9 milhões de deslocados, segundo a ONU, mergulhando o enclave palestiniano pobre numa grave crise humanitária.
Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, 270 palestinianos foram mortos desde 7 de outubro pelas forças israelitas ou em ataques perpetrados por colonos.
Sondagem palestiniana demonstra aumento do apoio ao Hamas e rejeição de Mahmoud Abbas
Uma sondagem em tempo de guerra entre os palestinianos, hoje divulgada, indica um aumento do apoio ao Hamas, que parece reforçar-se na devastada Faixa de Gaza, e uma ampla rejeição do presidente da Autoridade palestiniana (AP) Mahmoud Abbas.
O estudo de um instituto palestiniano sugere mais dificuldades nas perspetivas da administração dos Estados Unidos para Gaza, e coloca questões sobre o objetivo de Israel em eliminar as capacidades militares e de governo do movimento islamita palestiniano.
Washington apelou à AP, sediada na Cisjordânia ocupada e dirigida por Abbas desde 2005, para assumir o eventual controlo da Faixa de Gaza e dirigir os dois territórios na perspetiva de um posterior acordo, mesmo que sublinhasse a necessidade em "revitalizar" a sua liderança.
Abbas, 88 anos, e a AP, apoiados pelo ocidente, administram diversas bolsas de território na Cisjordânia ocupada por Israel e governaram na Faixa de Gaza até à vitória por maioria absoluta do Hamas nas eleições de 2006. Desde então, e por diversos motivos, não foram realizadas eleições nos dois territórios.
Os resultados da sondagem indicam uma contínua erosão da legitimidade de AP, e quando não existem perspetivas para o reinício de negociações credíveis sobre um futuro Estado para os palestinianos, com quase 90% a considerar que Abbas deve demitir-se.
"Israel está atolado em Gaza", disse à agência noticiosa Associated Press (AP), Khalil Shikaki, um dos responsáveis pelo estudo do Centro palestiniano de política e investigação (PSR).
"Talvez o próximo governo [israelita] decida que Netanyahu não tem razão ao colocar todas essas condições e decidam retirar unilateralmente de Gaza. Mas a questão no futuro, para Israel e Gaza, é que Israel está a promover uma total reocupação de Gaza".
O estudo foi realizado entre 22 de novembro e 2 de dezembro entre 1.231 pessoas da Cisjordânia e Faixa de Gaza, com uma margem de erro de quatro pontos. Em Gaza, a sondagem foi realizada junto de 481 pessoas durante o cessar-fogo de uma semana que terminou em 01 de dezembro.
A sondagem também permite revelar as perspetivas dos palestinianos sobre o ataque do Hamas e de outros grupos militantes no sul de Israel em 7 de outubro, que provocou a morte de cerca de 1.200 pessoas, na maioria civis. Mais de 18.400 palestinianos, na maioria civis, foram mortos no decurso da ininterrupta campanha de bombardeamentos e da ofensiva terrestre em Gaza desencadeada de imediato por Israel e que caminha para o terceiro mês.
Shikaki também indicou que os habitantes da Faixa de Gaza são mais críticos em relação ao Hamas que na Cisjordânia, onde geralmente aumenta o apoio ao Hamas durante os períodos de confito armado antes do regresso de aparente acalmia, e mesmo que a maioria dos palestinianos não apoie explicitamente o grupo militante.
No entanto, e apesar da devastação, a sondagem indica que 57% dos inquiridos em Gaza e 82% na Cisjordânia consideram que o Hamas foi correto ao lançar o ataque de outubro.
Uma larga maioria também acredita na justificação do Hamas de que atuou para defender a mesquita de Al-Aqsa em Jerusalém contra os extremistas judeus, e garantir a libertação dos prisioneiros palestinianos. Apenas 10% considera que o Hamas cometeu crimes de guerra, com uma larga maioria a referir que não observou os vídeos que mostram os seus membros a cometer atos sangrentos.
O responsável pelo instituto PSR indicou que Marwan Barghouti, uma proeminente figura do movimento Fatah de Abbas e que cumpre diversas penas de prisão perpétua numa cadeia israelita permanece o político mais popular. Numa eleição presidencial a duas voltas, o líder político do Hamas no exílio, Ismail Haniyeh, derrotaria Abbas, e numa corrida a três, Barghouti sairia vencedor, acrescenta o estudo.
No total, 88% pretendem a demissão de Abbas, mais 10 pontos percentuais face a uma sondagem realizada há três meses. Na Cisjordânia, 92% pretendem a demissão do octogenário, que continua a liderar uma AP geralmente considerada corrupta, autocrática e ineficaz.
EUA criticam impacto de bombardeamentos
O Departamento de Estado norte-americano criticou esta quarta-feira o impacto dos bombardeamentos israelitas na população civil da Faixa de Gaza, onde milhares de palestinianos morreram desde o início da guerra entre Israel e o movimento islamita Hamas.
O porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, dirigiu estas críticas um dia depois de o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ter dito num evento privado que Israel está a perder apoio aos seus "bombardeamentos indiscriminados" na Faixa de Gaza.
"Acho que o Presidente [Biden] estava a referir-se ao impacto da campanha de bombardeamentos em grande escala que vimos, com milhares de civis mortos", explicou Miller em conferência de imprensa.
O porta-voz norte-americano disse que Washington entende a intenção de Israel de eliminar o Hamas, mas instou as autoridades de Telavive a "adotarem novas medidas para proteger os civis".
Questionado sobre se os Estados Unidos irão investigar a operação em curso de Israel na Faixa de Gaza, observou que a administração Biden está "a reunir informações" sobre a situação.