Apesar dos constrangimentos pós-Brexit, portugueses não pensam em regressar.
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A Comissão Europeia propôs, na semana passada, medidas para facilitar a entrada de produtos na Irlanda do Norte, numa altura em que os controlos alfandegários continuam muito apertados. Menos de um ano depois da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), as consequências negativas do Brexit fazem-se sentir a vários níveis. Falta de produtos e atrasos nas encomendas vindas da UE e dificuldade em encontrar mão de obra, principalmente sazonal, são críticas relatadas por britânicos e emigrantes no Reino Unido ao JN.
Sofia Vieira, 32 anos, portuguesa há seis anos a viver em Londres, nota, nos últimos meses, "escassez de alguns produtos" nos supermercados, embora considere que esta ainda não é alarmante. "Não falta nada do que preciso. Sinto é que tudo o que tem de vir da União Europeia demora. Estou à espera de gavetas do Ikea desde agosto", conta. Nicola Bell, 34 anos, irlandesa a viver há 11 anos em Marden, e Cláudia Lever, 29 anos, britânica a morar em Ashford, localidades situadas em Kent, sentem o mesmo. "As coisas demoram muito a chegar", partilham.
Onde Sofia Vieira, chef de cozinha, sente o maior impacto do Brexit é no trabalho. "Há muitas coisas fora de stock no setor da hotelaria, como pratos, talheres e vinho", exemplifica. Os restaurantes têm dificuldade em encontrar vinhos específicos, que não chegam a entrar no país. "Como já há contratos antigos feitos entre restaurantes e distribuidores, os estabelecimentos que não têm contratos e querem um Champanhe ou Bordéus não conseguem comprar", explica.
O pior é a dificuldade em encontrar funcionários. "Não há simplesmente chefs, estamos à procura de pessoal desde junho. E não é só na hotelaria, as quintas tiveram muito prejuízo porque não têm ninguém para a apanha do fruto". Kal Di Paola, 51 anos, britânica, no dia a dia já nota a escassez de alguns vegetais nas mercearias locais. A indisponibilidade dos alimentos não a surpreendeu, ao contrário da falta de combustível que foi "totalmente inesperada" para a consultora de marketing.
Henrique Silva, 34 anos, a viver em Londres desde 2017, diz que "o pior que tem acontecido é haver uma marca em vez de outra de um produto, mas ainda não faltou nada importante". O engenheiro de software acredita que as consequências do Brexit se refletem mais na falta de mão de obra. Tal como outros emigrantes com quem o JN falou, este português "não pensa regressar, por causa das possibilidades em termos de carreira que Londres oferece". Porém, quem vive no Reino Unido, nota que "muitos emigrantes já saíram".
Testemunhos
Sofia Vieira
Emigrante portuguesa
"Não estava à espera que fosse assim. Pensei que houvesse acordos com países da Europa e outros, que facilitasse a vinda de emigrantes ou de produtos"
Kal Di Paola
Consultora de marketing
"O meu marido fornece o comércio da restauração e sente uma escassez de pessoal qualificado para a cozinha em Londres"
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Recorde de vagas
O Reino Unido atingiu, na semana passada, um recorde de quase 1,2 milhões de vagas de emprego por preencher, devido à escassez de mão de obra causada pelo Brexit e pela pandemia.
Navios desviados
Vários navios que transportam contentores com produtos para o Natal foram redirecionados para outros portos europeus por não conseguirem descarregar em território britânico.