O funeral de Isabel II é um dos acontecimentos do ano. Cerca de 500 dignitários foram convidados para estar nas cerimónias fúnebres da monarca, que reinou durante 70 anos. Um pesadelo logístico e uma tarefa gigantesca do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, que reforçou o "staff" com mais 300 pessoas.
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A torrente de tributos globais pela morte de Isabel II é, segundo os britânicos, uma lembrança da vasta rede de amigos e aliados do Reino Unido. De tantos, uns poucos 370 vão estar nas cerimónias fúnebres da rainha, entre domingo, no velório, e segunda-feira, quando a urna chega à última morada.
O funeral "vai juntar líderes mundiais de uma forma mais intimista que a Assembleia Geral das Nações Unidas", que começa na terça-feira, em Nova Iorque, lembrou Bronwen Maddox, diretor da Chatham House. Com tantos chefes de Estado, ou de Governo, consoante os casos, reunidos nos mesmos espaços, sem agenda definida e em tão em cima da hora, é de esperar que a conversa se proporcione.
"Não será uma oportunidade para discussões detalhadas", argumentou o antigo diplomata Lord Ricketts, citado pelo jornal "The Guardian", mas pode abrir as portas à resolução de alguns diferendos. "Um diplomata sénior disse-me que achava que as palavras simpáticas de Macron e a diminuição das luzes na Torre Eiffel em memória da rainha foram, de facto, um sinal de paz enviado pela França ao novo Governo britânico", disse Alexandra Hall Hall, ex-diplomata britânica com mais de 30 anos de carreira, em palavras vertidas num artigo publicado no "Byline Times".
Segundo Lord Ricketts, o ramo de oliveira foi estendido. Resta saber se a nova primeira-ministra, Liz Truss, que começa o mandato com o gabinete focado no funeral da soberana, em vez de estar dedicada ao combate à crise, vai aproveitar para se distanciar das palavras secas que proferiu sobre Macron, em agosto, quando questionou se o presidente francês era "amigo ou inimigo" do Reino Unido. O líder gaulês é uma das presenças confirmadas no funeral de Isabel II, a par de outros líderes mundiais como Joe Biden.
O presidente dos EUA é uma das figuras cimeira confirmadas no funeral. E com direito a exceções. É dos poucos a quem é tolerado viajar no próprio avião, em vez de chegar a Londres em voo comercial, ou deslocar-se à abadia de Westminter, na segunda-feira, no carro da presidência dos EUA, uma viatura blindada conhecida como "A Besta".
A deslocação para a abadia onde Isabel II foi coroada, há quase 70 anos, e onde terminam as cerimónias fúnebres, foi um dos problemas colocados ao protocolo, resolvido com o habitual pragmatismo britânico: os dignitários vão encontrar-se num lugar seguro no Oeste de Londres, seguindo daí para o funeral em mini-autocarros de luxo. "É fazer as contas. Seria absolutamente impossível irem todos em carros individuais", disse um oficial ligado à organização, citado pela BBC.
O passo seguinte é sentar os convidados, que vão ocupar 1/4 dos cerca de dois mil lugares disponíveis em Westminster. Às 370 pessoas previstas, duas por cada um dos 185 países com relações diplomáticas com o Reino Unido, acrescem membros de famílias reais da Europa e ainda as exceções da Commwealth. Ao todo, os serviços do "Foreing Office" têm cerca de 500 pessoas para acomodar na Abadia. A disposição dos dignitários deve corresponder ao estatuto dos países e à proximidade com o Reino Unido. Além de evitar "vizinhos" inconvenientes.
Encontro com Carlos III em Buckingham
Os chefes de Estado devem começar a chegar a Inglaterra durante o fim de semana. Os dignitários que vão estar em Londres no domingo estão convidados para um encontro no Palácio de Buckingham com o rei Carlos III. Após o principal evento diplomático antes do funeral, o ministro dos Negócios Estrangeiros, James Cleverly, vai acolher uma "receção de líderes" na Church House, enquanto a família real se desloca à abadia de Westminster para os últimos compromissos oficiais.
Se os dignitários quiserem passar no velório de Isabel II, durante o domingo, o protocolo organiza a deslocação e a entrada em Westminster, naturalmente, sem terem de esperar nas filas, que se estendem por quilómetros. Oportunidade que foi barrada à China, na quinta-feira. A presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle, rejeitou o pedido, ancorada nas sanções chinesas contra cinco deputados e dois lordes britânicos.
A organização política e diplomática do funeral está entregue ao Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido. O objetivo da equipa é simples, mas ao mesmo tempo dantesco: garantir que os cerca de 500 dignitários convidados chegam a tempo aos locais, em segurança e alimentados.
Segundo um oficial citado pelos meios de comunicação social britânicos, orientar os cerca de 500 convidados para o funeral da rainha é como organizar 100 visitas de estado de uma assentada. O potencial de erro e de incidentes diplomáticos é enorme, por isso mais de 300 pessoas foram desviadas dos trabalhos habituais para ajudarem à maior operação logística e diplomática desde o funeral de Winston Churchill. Trabalham 24 horas por dia, na sede das operações, batizada de "Hangar".
O Reino Unido convidou chefes de Estado de todos os 185 países com quem tem relações diplomáticas. A regra é que o convidado pode trazer mais uma pessoa, à escolha do próprio. Pode levar o cônjuge, o primeiro-ministro, ou, como mostra o caso português, outro representante do Governo. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai acompanhado do ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho.
E é tudo, não há espaço para as chamadas "entourages", sejam políticas, governativas ou familiares, diz o protocolo. Também não há exceções para ex-chefes de Estado, por muito famosos, mediáticos ou importantes que tenham sido. Barack Obama, que tinha uma boa relação com a rainha, não foi convidado, assim como Donald Trump, por exemplo.
Há exceções apenas para os 14 países da Commonwealth em que o rei, Carlos III, é o chefe de Estado, como era antes a rainha. Nestes casos, podem enviar o primeiro-ministro, o governador-geral (representante real no país), um alto-comissário (equivalente a embaixador). Cada um com um parceiro. Estes países foram também autorizados a convidar mais 10 pessoas, figuras marcantes que de alguma forma representem as comunidades daquelas nações que ajoelham perante a coroa britânica.
Os excluídos e os casos bicudos da diplomacia
A regra para a emissão dos convites foi muito simples: foram convidados todos os 185 países que têm relações diplomáticas com o Reino Unido. Exceção feita à Síria, Venezuela, Myanmar e Afeganistão, por razões políticas. A invasão da Ucrânia fechou a porta também a emissários da Rússia e da Bielorrússia.
Depois há os casos bicudos: Irão, Coreia do Norte e Nicarágua foram convidados a enviar apenas um diplomata sénior. O Irão, que até ao momento não fez qualquer nota de condolências pela morte da rainha, não tem embaixador em Londres e pode fazer-se representar pelo encarregado de negócios, Seyed Hosseini.
Outro caso problemático é o da Arábia Saudita. Mohammed bin Salman vai transmitir pessoalmente as condolências pela morte de Isabel II à família real, segundo o jornal "The Guardian", mas não há confirmação se vai estar no funeral, em Westminster.
Será a primeira visita do príncipe herdeiro saudita ao Reino Unido desde o assassinato do colunista do jornal norte-americano do "Washington Post" Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, e a subsequente imposição de sanções britânicas, devido ao alegado envolvimento da coroa da Arábia Saudita no assassinato. Embora isso não tenha impedido Boris Johnson, ex-primeiro-ministro britânico, ou Joe Biden, de se reunirem com os sauditas para pedirem o aumento da produção de petróleo.
A Turquia anunciou que será representada pelo ministro dos negócios estrangeiros, Mevlüt Çavuşoğlu, e não pelo presidente, Recep Tayyip Erdoğan.
Apesar das discussões internas sobre o estatuto diplomático da União Europeia no Reino Unido após o Brexit, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, figura entre a lista de convidados.
O presidente da China, Xi Jinping foi convidado a estar presente no funeral, mas ainda é uma incógnita a presença do líder chinês, que esta semana deixou o País do Meio pela primeira vez desde o início da pandemia, em 2020, para um encontro com Vladimir Putin, no Usbequistão. E, o incidente de quinta-feira à noite, com a delegação chinesa a ser impedida de entrar no velório da monarca na abadia de Westminster, pode ser mais um engulho.