As concentrações de gases com efeito atmosférico de estufa (GEE), a subida do nível médio do mar, o aquecimento da superfície e a acidificação dos oceanos registaram, em 2021, valores sem precedentes desde que se tratam dados e o ano está os sete mais quentes, segundo o relatório "Estado do Clima Global 2021", publicado nesta quarta-feira pela Organização Meteorológica Mundial (OMM).
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Os dados constituem "a sombria confirmação do fracasso da humanidade no enfrentamento das alterações climáticas", declarou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, advertindo para o "beco sem saída" que os combustíveis fósseis representam e exortando os países a adotarem medidas decisivas para a transformação energética.
Numa mensagem vídeo de comentário ao relatório, Guterres considerou necessário maior acesso às tecnologias e fontes de energias renováveis, triplicar os investimentos nesta área e extinguir os subsídios a combustíveis fósseis, que estão a ser concedidos à razão de onze milhões de dólares por minuto.
"As energias renováveis são o único caminho para uma verdadeira segurança energética, para preços estáveis de eletricidade e para oportunidades de emprego sustentáveis", acrescentou. "Se atuarmos de forna unida, a transformação das energias renováveis poderá ser o projeto de paz do século XXI."
"El Niña" amenizou temperatura
Os combustíveis fósseis são os principais responsáveis pelo aumento das concentrações de GEE na atmosfera, que retêm boa parte do calor, tal como numa vulgar estufa, o que está a causar o aumento global da temperatura global.
No ano passado, a temperatura média mundial superou em cerca de 1,11 graus Celsius (ºC) os níveis médios da era pré-industrial (1750). O ano só não foi mais quente devido aos efeitos de contenção do aquecimento de vários episódios, no início e no final do ano, do fenómeno "El Niña" - o arrefecimento anómalo das águas superficiais do Oceano Pacífico Central e Oriental, que gera mudanças significativas da dinâmica da atmosfera.
Mesmo assim, assinala a OMM, não foi invertida a tendência geral de aumento das temperaturas: os últimos sete anos (2015-2021) foram os mais quentes desde que se conhecem dados meteorológicos. E 2021 registou ondas de calor excecionais e valores recorde da temperatura máxima em várias latitudes do planeta.
No Vale da Morte, no estado norte-americano da Califórnia, a temperatura máxima atingiu 54,4 ºC em 9 de julho, o valor mais alto jamais atingido no mundo pelo menos desde 1930, e a província canadiana de Colúmbia Britânica chegou aos 49,6 ºC em 29 de junho, contribuindo para meio milhar de mortes pelo calor e para incêndios florestais devastadores.
Aqui perto, foram batidos os recordes europeu, em Siracusa, na Sicília, Itália, com 48,8 ºC registados em 11 de agosto, e espanhol, quando, três dias depois, a temperatura máxima trepou aos 47,6 ºC em Montoro, na província de Córdova.
"Só uma questão de tempo"
O Acordo de Paris, alcançado em 2015, visa conter em +1,5 ºC o aumento da temperatura na Terra em relação aos valores pré-industriais, mas a marcha presente está a conduzir, pelo contrário, para um aquecimento de 2,5 a 3 ºC, advertiu o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
"É só uma questão de tempo até que se volte a bater o recorde de ano mais quente jamais registado", avisou. "O nosso clima está a mudar diante dos nossos olhos", pois "o calor retido na atmosfera pelos gases de efeito estufa de origem humana aquecerá o planeta durante muitas gerações", acrescentou.
Em 2020, a concentração de GEE atingiu um novo recorde mundial, com 413,2 partes por milhão (ppm) de dióxido de carbono (CO2), um aumento em 149% em relação aos valores de 1750, mantendo-se em alta no ano passado e dando já avisos para 2022. A de metano (CH) atingiu 1889 partes por milhares de milhões (ppb), um aumento de 262%, enquanto o óxido nitroso (N2O) subiu em 123% para 333,2 ppb.
Já o nível médio do mar à escala mundial alcançou um novo máximo em 2021, depois de aumentar à média de 4,5 milímetros por ano durante o período 2013-2021. Esse valor, que é mais que o dobro do registado entre 1993 e 2002, segundo a OMM, deve-se principalmente à perda de massa mais rápida dos mantos de gelo.
Embora o degelo tenha sido menor no ano glaciológico de 2020/21, mantém-se a tendência de aceleração. Em média, os glaciares de referência reduziram em 33,5 metros desde 1950. Dessa massa, 76% foram perdidos desde 1980, indica a OMM, classificando 2021 como "particularmente duro" para os glaciares do Canadá e do noroeste dos Estados Unidos da América.
Devido à rapidez a que o nível do mar está a subir, a OMM faz notar que entre 20% e 90% das atuais zonas húmidas costeiras correm o risco de desaparecer no final deste século, o que comprometerá ainda mais o fornecimento de alimentos, a proteção das zonas costeiras, o turismo e outras atividades.
Oceanos mais quentes e acidificados
Outro recorde foi atingido na temperatura dos oceanos, que está a a penetrar em áreas cada vez mais profundas. Segundo o relatório, a camada superior, até dois mil metros de profundidade, continua a aquecer e "tudo indica que isto continuará no futuro, uma mudança irreversível em escalas de tempo de centenas a milhares de anos".
A acidificação dos oceanos é outro problema grave. Embora sejam um importante "sumidouro" de carbono (absorvem quase 23% das emissões anuais de CO2 de origem antropogénica, isto é, gerada pelo homem), são também "vítimas" da reação química do gás com a água do mar.
Por outro lado, com a redução do pH (exprime a acidez ou alcalinidade), devido à acidificação, a capacidade de absorção de CO2 está a diminuir. Segundo o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPPC), citado pela OMM, o pH à superfície em mar aberto está no nível mais baixo desde há 26 mil anos.
"O aumento do nível do mar, a acidificação dos oceanos e o aumento do seu conteúdo de calor continuarão durante séculos, a menos que sejam inventados mecanismos para eliminar o carbono da atmosfera", comentou Petteri Taalas.
Inundações, secas e fome
A ocorrência cada vez mais frequente e intensa de fenómenos meteorológicos extremos - como inundações e secas - é uma das consequências das alterações climáticas.
O relatório salienta as inundações de meados de julho na província chinesa de Henan, que causaram 17 700 milhões de perdas económicas, e as mais graves de que há memória na Europa ocidental, com os prejuízos a superarem os 20 mil milhões só na Alemanha, onde morreram 183 pessoas.
O relatório destaca também as secas que atingiram o Canadá, o oeste dos Estados Unidos, O irão, Afeganistão, Paquistão, Turquia e a região subtropical da América do Sul, enfatizando especialmente a situação no Corno de África, que se intensificou já neste ano, agravando a situação de pobreza e fome.
Segundo a OMM, a agudização das crises humanitárias em 2021 estendeu-se a mais países em risco de fome extrema, agravando a situação crónica. Do total de pessoas subalimentadas em 2020, mais de metade (418 milhões) viviam na Ásia e um terço (282 milhões) em África.