Amy Khvitia e Ano Sartania foram vendidas a duas famílias diferentes quando nasceram, em 2002, na Geórgia. Graças a um programa de televisão e a um TikTok, reencontraram-se e descobriram a mãe biológica.
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Em 2014, Amy tinha 12 anos e estava a ver o programa "Georgia Got Talent", quando se apercebeu que uma das participantes era exatamente igual a ela. Ao expôr a situação aos pais, apenas lhe disseram que era uma coincidência, mas a mãe recebeu várias chamadas a peguntar porque é que Amy estava a participar no programa com um nome falso. O assunto ficou por aí.
Sete anos depois, em 2021, Ano descobriu um vídeo de Amy no TikTok e apercebeu-se do mesmo: as duas adolescentes eram iguais. Tentou procurar a sua "sósia" e, através de uma amiga em comum, conseguiu. Amy apercebeu-se logo que Ano era a criança que tinha visto no programa de televisão há uns anos.
As gémeas perdidas estiveram juntas pela primeira vez uma semana depois de entrarem em contacto. E foi aí que as coincidências começaram a multiplicar-se. Ambas tinham nascido no mesmo hospital na Geórgia - a Maternidade Kirtskhi -, tinham os mesmos gostos musicais, o mesmo corte de cabelo e até a mesma doença genética - displasia óssea. No entanto, as datas de nascimento tinham umas semanas de diferença.
Mesmo assim, "foi como olhar para um espelho, exatamente a mesma cara, exatamente a mesma voz", relatou Amy à BBC, revelando que foi no momento em que olhou para Ano pela primeira vez ao vivo, que teve a certeza que eram gémeas. "Eu nem gosto de abraços, mas abracei-a", contou Ano.
Após mais alguma investigação e conversas com as respetivas famílias, descobriram que eram adotadas e encontraram o certificado de nascimento verdadeiro, que comprovava a teoria de que seria gémeas.
As mães das jovens contaram a mesma história: não conseguiam ter filhos e o hospital contactou-as a explicar que havia um bebé abandonado que, mediante um pagamento, poderia ser adotado. Ambas relataram que acreditavam que o processo fosse legal e que não faziam ideia que as meninas teriam uma irmã gémea.
Amy queria descobrir a sua mãe biológica e, embora Ano não estivesse tão entusiasmada e acreditasse que a mãe as poderia ter vendido para ganhar dinheiro, ajudou a irmã. Descobriram um grupo no Facebook que permite encontrar os pais e os filhos biológicos das pessoas.
Encontro com a mãe biológica
Uma jovem da Alemanha comentou no grupo de Facebook que a sua mãe tinha dado à luz gémeas na Maternidade de Kirtskhi em 2002 e que, apesar de lhe terem dito que tinham morrido, tinha agora algumas dúvidas. Foram então realizados testes de ADN, que comprovaram que a jovem era irmã das gémeas.
As duas irmãs de 19 anos foram então à descoberta da mãe biológica, Aza, na Alemanha. Quando se encontraram com ela num hotel em Leipzig, as três partilharam um momento emotivo e um abraço forte.
Aza explicou às filhas que, depois do parto no hospital, ficou doente e entrou em coma. Quando acordou, os médicos informaram-na que as gémeas tinham morrido. Admitiu que conhecer Amy e Ano e descobrir que tal não era verdade deu um novo sentido à sua vida.
Hoje em dia, apesar de não serem próximas, mantêm-se em contacto, explica uma reportagem da BBC.
Descoberta rede de tráfico de bebés
O grupo de Facebook que ajudou as gémeas a encontrarem a progenitora foi criado em 2021 por Tamuna Museridze, uma jornalista que também procurava a mãe biológica. À medida que a página foi crescendo, foram descobertas cada vez mais pessoas na mesma situação que as gémeas vendidas à nascença. Agora, tem mais de 230 mil membros e abriu um capítulo negro da história da Geórgia.
O grupo acabou por expor um escândalo de tráfico de bebés que afeta dezenas de milhares de pessoas na Geórgia e se estende desde os anos 50 até 2025. Museridze acredita que os esquemas de tráfico se estendem desde taxistas a figuras políticas importantes. Segundo a jornalista, autoridades corruptas falsificavam os documentos necessários para as adoções ilegais.
De acordo com o número de pessoas que contactaram Museridze, em uníssono com a linha temporal e a disseminação dos casos a nível nacional, a jornalista prevê uma "escala inimaginável" de tráfico, com a venda ilegal de "cerca de 100 mil bebés".
No entanto, com hospitais como a Maternidade de Kirtskhi, onde as gémeas nasceram, já fechados, e o período de tempo já passado, muitos dos certificados já se perderam, bem como as provas necessárias para descobrir todos os nomes por trás desta rede.
Segundo Museridze, muitos dos pais que a contactaram contaram que, após realizaram os partos, lhes disseram que os bebés tinham morrido e, ao pedir para verem o corpo, os médicos informavam que este teria já sido enterrado no cemitério do hospital. No entanto, os cemitérios dos hospitais da Geórgia nunca existiram. Em casos de insistências, foram mostrados aos pais outros bebés mortos que tinham sido congelados na morgue.
Corpos de bebés desaparecidos
Um dos casos relata a história de Irina Otarashvili, que deu à luz dois gémeos numa maternidade em Kvareli, nos arredores montanhosos da Geórgia, em 1978. Embora os médicos a tivessem informado que os meninos estavam saudáveis, foram afastados da mãe. Passados três dias, Irina foi informada que os seus filhos tinham morrido subitamente.
A mãe, desolada, pediu para levar os corpos dos bebés para casa, para serem enterrados no seu jardim, algo habitual na época. Os médicos entregaram uma caixa com os alegados corpos, mas disseram aos pais para não a abrir, por ser demasiado emotivo.
Passados 44 anos, Nino, filha de Irina, descobriu o grupo de Facebook e comecou a achar a situação suspeita. Para ter a certeza do que se tinha passado há tantos anos, decidiu desenterrar a caixa e abri-la. Para sua surpresa, não havia qualquer vestígio dos seus irmãos, alegadamente mortos. Na caixa, levada para análise forense, estavam apenas ramos de árvores. Agora, acredita que os seus dois irmãos possam ainda estar vivos.
A jornalista revelou que o preço para comprar estes bebés era bastante elevado e já descobriu que algumas das crianças vendidas à nascença acabaram por ir viver com famílias estrangeiras nos Estados Unidos, Canadá, Chipre, Rússia e Ucrânia.