Sandra Fernandes, professora na Universidade do Minho em entrevista ao JN.
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URSS e Federação Russa têm tido intervenção em várias guerras de longa duração. Durante quanto tempo poderá ainda estender-se esta ofensiva?
A guerra russa na Ucrânia é comparável a outras ofensivas militares do ponto de vista dos meios e táticas empregues pela Rússia. No entanto, é uma guerra que se reveste de um valor simbólico específico, porque ocorre num espaço geopolítico onde Moscovo tem concentrado a afirmação dos seus interesses, identidade e poder. Numa visão neoimperial da sua dimensão euro-asiática, Moscovo conduz uma guerra com um valor simbólico assinalável. Apesar de o Kremlin ter reorientado os seus objetivos operacionais para uma escala menor na Ucrânia face aos desideratos iniciais, concentrando agora os seus ataques no Donbass e no Sul, os avanços na conquista territorial são mais lentos mas firmes.
A intervenção russa na Síria poderá ter funcionado como um laboratório de guerra para esta ofensiva?
A intervenção russa na Síria permitiu sobretudo aos russos sair do isolamento diplomático provocado pela condenação da anexação da Crimeia em março 2014. A Rússia tem conseguido aproveitar os "vazios de poder" deixados em certas regiões. Observa-se, assim, uma maior presença russa no Afeganistão, no continente africano e no Médio Oriente, em particular com a projeção de militares russos no conflito sírio. O caso da guerra na Síria é paradigmático da reorientação russa e do seu regresso ao palco principal do jogo internacional. Dando o seu apoio político, diplomático e militar ao regime de Bashar al-Assad, o Kremlin elevou-se nas negociações com as outras potências internacionais, em particular com os EUA. No que diz respeito às capacidades militares, o ministro da Defesa Serguei Shoigu afirmou, no ano passado, que o país testou 320 armas na Síria. Com esta presença militar, a Federação Russa também reforçou a sua posição junto da Turquia.
As tropas russas não estavam preparadas para esta escala de combate?
Neste momento, tanto russos como ucranianos acreditam que podem ganhar esta guerra. No entanto, o que significa ganhar a guerra? E onde vão parar os russos? São questões que permanecem em aberto, após seis meses de conflito. É expectável que ambos os beligerantes melhorem as suas capacidades ofensivas, o que dificulta a criação de condições para um diálogo com vista a negociações. Os efeitos da atual intervenção da Rússia na Ucrânia, ao contrário da anexação da Crimeia em 2014, são de grande dimensão, porventura não esperados pelo Kremlin quando decidiu invadir o território ucraniano.
O que enforma, em Vladimir Putin, essa propensão imperialista?
A liderança de Putin nos destinos da Federação Russa acompanhou-se de uma reorientação da sua política externa, no sentido da reafirmação. De uma aposta na sua dimensão e geopolítica europeia, Moscovo, a partir do terceiro mandato do presidente, em 2012, iniciou uma viragem para leste. Na sua mundivisão, a Rússia de Putin identifica um mundo multipolar em que a hegemonia norte-americana é decadente, deixando um espaço próprio para a afirmação da Rússia.