Segunda missão científica em La Palma marcada por lançamento inédito de balão, a atravessar verticalmente a pluma eruptiva para medição de gases.
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Ao virar da esquina, um soco no estômago. Lá está ela, no horizonte, incandescente e desconcertante, a dominar terra e céu. O aviso tinha sido feito. É impossível esquecer os primeiros instantes em que o olhar humano se cruza com a lava de um vulcão, alertou, dias antes, Fátima Viveiros, subdiretora do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR) dos Açores. Estava certa.
À mesa, numa pausa para jantar, no centro de Los Llanos de Aridane, município de La Palma que mais sofre os efeitos devastadores da erupção do Cumbre Vieja, procura-se entender este fascínio. "É assustadora a vontade de ir mais além quando se está a ver uma escoada lávica", disse a especialista em geoquímica de gases, interrompida pelo diretor do instituto. "Dá para ficar horas só a vê-la", realçou José Pacheco.
Os dois vulcanólogos comandam a equipa do IVAR, da Universidade do Minho e do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, que está na "Isla Bonita" pela segunda vez desde o início da erupção, a 19 de setembro, para recolher material, instalar equipamentos e medir os gases emitidos.
"O dióxido de enxofre é dos mais preocupantes para a saúde pública. A rede de sensores que instalámos vai dar-nos uma ideia concreta de como esse gás se está a dispersar no solo", resumiu. Um dos equipamentos está, por exemplo, na escola de Tazacorte, outro município afetado, "o que permitirá avaliar o nível de risco" nesse estabelecimento de ensino.
Mas a maior parte do trabalho dos seis investigadores faz-se dentro da zona de exclusão: reino de cinza abandonado às pressas, desolado, destruído, apocalítico. À segunda tentativa, a equipa conseguiu algo inédito: lançar um balão, na vertical, através da pluma eruptiva para uma noção exata das concentrações de dióxido de enxofre que lá se podem encontrar.
Mais uma tarefa cumprida num cenário de ruína que deixa muitos profissionais de nó cego na garganta. Fátima Viveiros explica-o bem. Vive dividida entre o encanto científico de um dos fenómenos mais poderosos da Natureza e o horror de quem vê uma vida inteira reduzida a pó.
"Não consigo achar bonito. Se me perguntarem "queres uma erupção nos Açores?" respondo logo, "não, não quero"", garantiu. Até porque, embora o vulcão em curso nas Canárias seja dos "mais comuns", nos Açores o caso podia ser bem mais grave, "com piroclastos do tamanho de casas".
É prematuro falar no fim do vulcão
O dilema da subdiretora do IVAR também toca José Pacheco. Nota-se pela forma como diz que o Cumbre Vieja está, agora, "mais murchinho". Ao 85.º dia de erupção, há menos atividade explosiva, menos gases libertados e uma atividade sísmica incomparavelmente inferior.
Contudo, para o vulcanólogo, é "prematuro" dizer que o fenómeno está perto do fim. "O que sabemos de outras erupções deste tipo é que, por vezes, a atividade decresce, podendo mesmo parar durante alguns períodos, e, depois, retoma", explicou. Traçar a vida de um vulcão é um exercício que requer prudência. "O desafio de dizer que uma erupção está terminada é tão grande como o de saber que uma está a começar", ilustrou o especialista.
Isto sem esquecer a sucessão de aventuras "normais" da profissão: serem apanhados pela temida "neblina azulada" (de dióxido de enxofre) e perceberem que estão a trabalhar em plena nuvem de gás ou verem um colega atirar-se ao mar para não perder a oportunidade de recolher um "balão de lava" na erupção submarina da Serreta, a última nos Açores.
Recordações que fazem soltar gargalhadas e levam Fátima Viveiros a mergulhar, de novo, no encantamento do primeiro vulcão onde esteve, o Etna, na Sicília, em 2006. "O que mais me impressionou foi o barulho da lava a avançar. Parecem garrafas a partir", descreveu. Os primeiros instantes em que o olhar humano se cruza com o magma de um vulcão nunca se esquecem.
Senti mesmo que estava numa zona de guerra
Psicóloga ambiental apoiou geólogos e destacou o espírito de missão "impressionante" das equipas no terreno.
Sofia Pereira não tem dúvidas. Estava preparada fisicamente para trabalhar na zona de exclusão do Cumbre Vieja, em La Palma, mas não para a "exigência emocional" do desafio. A psicóloga ambiental açoriana, de 32 anos, a frequentar o doutoramento em Psicologia Social e Cognitiva na Universidade de Coimbra e com uma bolsa da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia), ao abrigo do financiamento das unidades de investigação e desenvolvimento, neste caso do IVAR, esteve uma semana a dar apoio a geólogos.
"Tínhamos de vir rápido e a porta que se abriu foi esta", referiu, explicando que alinhou na medição de gases vulcânicos, "obviamente com supervisão". Além disso, aproveitou para perceber de que forma é que os colegas estavam a lidar com a situação de stress prolongado. "São pessoas que trabalham entre 10 a 14 horas por dia, sem folgas ou com poucos dias folgados desde o início da erupção. Ainda assim, o espírito de missão é impressionante", contou ao JN.
Ainda que tenha conseguido ver os rios de lava, a coluna eruptiva e a chuva de cinzas, nada a impressionou tanto como a devastação. "Já tinha visto imensas fotografias da acumulação de cinzas. Estar lá é outra coisa. Senti que estava numa zona de guerra. A destruição é avassaladora, quase indescritível. As emoções são muito fortes e negativas. Tive muita vontade de chorar", reconheceu. "Ouvi alguns colegas a dizer que esta é uma erupção pequena, portanto, não quero imaginar o que será uma grande", concluiu, defendendo que é importante "falarmos sobre as erupções vulcânicas e as suas consequências para alertar as pessoas de uma forma incansável".