Marcelo Agredo, 16 anos. Santiago Andrés Murillo, 19. Nicolás Guerrero, 27. Lucas Villas Vázquez, 37. São os nomes e idades de quatro das 27 pessoas que perderam a vida durante os protestos, que duram há mais de dez dias nas ruas da Colômbia, contra o Governo de Iván Duque, que, para reforçar os cofres do Estado, depois do rombo provocado pela pandemia de covid-19, propôs uma reforma fiscal com incidência na classe média.
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Os quatro foram mortos às mãos das autoridades, que, no total, terão sido responsáveis por oito outras mortes. O que começou por ser uma greve nacional contra um projeto-lei tornou-se num dos maiores protestos dos últimos anos no país, com confrontos violentos entre manifestantes e forças de segurança. "As greves começaram a 28 de abril, depois de o Governo anunciar reformas fiscais que iriam afetar principalmente a classe média e baixa", ou seja, grande parte da população colombiana, começa por contar, ao JN, Luís Xardo, um português dono de uma empresa de café que, por isso, passa oito dos 12 meses do ano na Colômbia. "Agora, o Exército está na rua e são utilizados helicópteros e bombas para travar os manifestantes", descreve.
Uma realidade abafada pelo Executivo, que, em Cali, a terceira cidade mais populosa e o epicentro das manifestações, cortou o acesso à internet para impedir que os manifestantes publicassem vídeos nas redes sociais, acrescenta Luís.
A proposta enviada ao Congresso para aprovação - mas entretanto suspensa -, batizada de "Lei de Solidariedade Sustentável", previa um aumento do IVA sobre bens e serviços, com a cesta básica de bens a passar de uma taxa de 39% para 43%, e, ainda, uma ampliação da base do IRS.
Começaram por ser "protestos diários, pacíficos, com cânticos revolucionários, velas, pessoas a chorar", como sucedia na cidade onde Luís está, Huíla, no sul do país. Mas "as tensões adensaram-se e começaram as agressões" entre polícias e manifestantes.
O Governo de Duque considerou as manifestações uma "ameaça terrorista" e avançou com a "militarização do país".
"o povo não vai desistir"
Mas alguns vídeos escaparam para redes como o Twitter e o Instagram e neles é possível ver agentes a disparar dos helicópteros ou mesmo à queima-roupa. Foi assim que Marcelo, alvejado diversas vezes por um policial, morreu, revela o relatório do Provedor da Justiça, que indica, ainda, que os confrontos já fizeram mais de 800 feridos e que há cerca de 300 pessoas desaparecidas.
O próprio antigo presidente colombiano Álvaro Uribe escreveu, na sua página de Twitter, que apoiava "o direito dos soldados e dos polícias de utilizar as armas para defender a sua integridade, as pessoas e os bens".
"Em oito dias, morreram quase 30 pessoas. Um dos ativistas que deram a cara pelo protesto, Lucas Vázquez, foi assassinado na mesma noite em que falou publicamente, com oito tiros de operacionais das Forças Armadas", insiste Luís, que admite que o atual chefe de Estado é apenas uma "marioneta" de Uribe.
"Começam por aumentar os impostos, mas o sistema de saúde está a ser todo privatizado, o sistema de educação é inexistente... O povo não vai desistir."
Só em Cali, que está, desde quinta-feira passada, em estado de emergência, as autoridades confirmaram 17 mortes, escreve o jornal brasileiro "Folha de S. Paulo". Mas também se registaram óbitos em Bogotá (a capital), Ibagué, Medellín, Neiva, Pereira, Soacha e Yumbo. A maioria dos mortos e feridos é jovem.
"Com quem é preciso dialogar é com aqueles que estão nas ruas, que são os jovens, que, na sua maioria, não estudam nem trabalham. Jovens que sentem, com dor, que não têm futuro e que não estão a ser ouvidos", declarou a presidente da Câmara Municipal de Bogotá, Claudia López, onde os protestos também têm sido intensos e os confrontos constantes.
"isto é uma ditadura"
Entretanto, o Governo apelou ao diálogo entre "todos os setores" da sociedade. Todavia, afirmou que "o país também deve ouvir o Executivo", incluindo manifestantes e "também aqueles que não se manifestam".
Por sua vez, o presidente do sindicato Central Unitária de Trabalhadores da Colômbia, Francisco Maltés, respondeu que o diálogo só será possível "quando as cidades e as zonas rurais onde jovens foram massacrados em protestos pacíficos tiverem sido desmilitarizadas". "Vamos continuar a greve nacional", sublinhou.
A paralisação obrigou a Provedoria de Justiça a abrir 60 corredores humanitários para permitir a passagem de alimentos e medicamentos, bem como a disponibilização de médicos e o transporte de feridos.
Os protestos levaram Duque a retirar o projeto-lei e a decisão levou à demissão de um dos seus aliados, o ministro das Finanças, Alberto Carrasquilla, que arquitetou o plano para aumentar as receitas do Estado em mais de cinco mil milhões de euros entre 2022 e 2031.
"A minha continuidade no Governo dificultaria a construção rápida e eficiente do consenso necessário", escreveu Carrasquilla na carta de demissão, destacando ser "fundamental dar continuidade aos programas de proteção social e económica que começaram a expirar em março".
"Isto é uma ditadura", reclama Luís, esclarecendo que, para se manter no poder e dominar uma sociedade pobre e com pouco acesso a informação, o Executivo de Duque, que é de direita, "usa sempre o exemplo da Venezuela, onde diz estar instalado o comunismo". E quem fala contra é, normalmente, silenciado. "Aqui [Colômbia] não há muitos presos políticos, mas há mortes muito suspeitas."
Pormenores
Alimentos e vacinas - Segundo o Governo colombiano, 28 245 toneladas de alimentos e de combustível ficaram retidas nos bloqueios de estradas e a distribuição das vacinas contra a covid-19 também sofreu constrangimentos.
Recessão e conflito - O presidente, Ivan Duque, cuja popularidade ronda os 33%, enfrentou múltiplos protestos desde 2019, num país em recessão económica e a braços com o ressurgimento do conflito armado com os dissidentes das antigas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e outros grupos de guerrilha.
Quase metade vive na pobreza - Na Colômbia, no ano passado, 42,5% da população vivia em "pobreza monetaria" e 15,1% em "pobreza monetaria extrema", revela o Departamento Administrativo Nacional de Estatística.