Missão Humanitária que saiu sexta-feira da Maia chega este domingo à Polónia com roupas e mantimentos.
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O Bacalhau apareceu de repente e pôs logo, por assim dizer, o coração todo a bater cá fora. Disse: "Que Deus vos leve pela mão, meu amigo, e, mais importante, que vos traga e vos entregue em casa na sua graça". Ele disse isto a olhar fixamente e por um momento marejamos os dois. Acabávamos de nos conhecer mas tivemos que nos abraçar logo, assim como se fossemos amigos antigos ou babilónicos ou estivesse ali algo que nos empurrava para lá de nós.
Bacalhau chegou, estacionou o seu grande camião Scania nevado R420, desceu, estávamos já nós na estação de serviço de Cestas, em Gironde, sudoeste francês, e imediatamente apontou para as duas carrinhas brancas Volkswagen onde se lê Maia, Portugal, Ucrânia e o nome da missão humanitária que nos traz cá. Completa: "É tão bom ver isto, ver assim pessoas, e logo compatriotas, que se dispõem a vir de tão longe só para ajudar", disse o Bacalhau.
Depois de nos abraçar a todos, o homem que tem 64 anos e se chama realmente João Pedro e é de Peniche - "o Bacalhau vem de lá, é um apelido do meu trabalho antigo" -, conta que também ele está a levar uma carga de roupa para a fronteira com a Roménia, roupa da fábrica alemã Gabor que carregou em Silveiros, na Trofa, e vai entregar à Ucrânia saqueada. Viaja sozinho no seu Scania, está sempre a comer frutos secos de um balde que tem no assento do lado e tem a vontade indómita do Bem. Conta: "Recebi uma declaração de amor de um homem, ele está numa cadeira de rodas em Sesimbra, vou lá vê-lo sempre que posso. Da última ele diz assim: "Tenho tantas saudades de te dar um abraço, nem sabes". E eu pensei, bolas, mas haverá coisa melhor no mundo do que ouvir isto? Pois acho mesmo que não há".
Alexandre Rodin, o médico ucraniano que viaja connosco, ou melhor, nós é que viajamos com ele e com o seu silêncio meticuloso a latejar, ouviu tudo no seu remanso. Ele tem família em Kherson, sul da Ucrânia, perto da Crimeia ocupada e do mar mais raso de Azov. Está inquieto: tem lá a mãe, a irmã, o cunhado e a sua sogra e ainda tem uma sobrinha, a Kateryna, que se sobressalta no oeste, está na cidade cultural de Leópolis, a "semper fidelis" a que já nos habituamos a chamar Lviv. Quando fala deles, a voz de Alexandre, que é sempre grave mas muito baixa, parece que vai desatar a uivar na neve.
Saímos da Maia, Missão Humanitária Sorrisos de Esperança - há de voltar daqui a cinco dias com 53 refugiados ucranianos que se vão juntar às famílias da Maia -, carregados de indumentos, comunicações e mantimentos, na sexta-feira, já tinha anoitecido. Amanhecemos este sábado no País Basco, estamos agora a entardecer e a chegar perto de Paris. No domingo por esta hora já estaremos na Polónia, o último país antes da guerra.