A Organização Não-Governamental Human Rights Watch (HRW) denunciou esta quarta-feira uma alteração legislativa no Iraque que considera restringir os direitos das mulheres e lhes atribui um estatuto de "cidadãs de segunda classe".
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Em janeiro, o Parlamento iraquiano aprovou modificações à lei da cidadania (1959), que estabelece direitos, deveres e garantias, para permitir a opção entre as regras religiosas e as regras civis para questões familiares, como casamentos, heranças, divórcios e guarda de menores.
Esta reforma permite que um homem possa alterar as condições do seu casamento para obedecer ao código religioso das autoridades religiosas muçulmanas xiitas, sem que tenha de consultar ou sequer informar a sua mulher.
A HRW exemplifica com o caso de Ghazal, que disse ter recebido uma convocatória judicial porque o seu ex-marido avançou com uma ação para aplicar retroativamente as regras xiitas e assim tirar-lhe a custódia do filho de dez anos, isto uma década depois do divórcio.
"É inaceitável que alguém se case conforme uma lei que protege os direitos das mulheres e das crianças e que, mais de 10 anos depois, se dê a volta para que esses direitos lhe sejam retirados", afirmou, adiantando que o seu casamento tinha acabado devido a "violência".
Lei "tem de ser revogada"
Ainda segundo a ONG, a nova legislação coloca os maridos em posição de poderem divorciar-se sem dizer algo à sua mulher e obter consenso, além de prever a guarda paterna automática sobre eventuais filhos a partir dos sete anos de idade.
Cada mulher casada pode exigir a monogamia e o seu consentimento em caso de pedido de divórcio, mas o código estipula que o casamento continua válido mesmo que o marido viole essas regras preestabelecidas.
"Esta lei priva mulheres e meninas de qualquer autonomia sobre suas próprias vidas e transfere-a para os homens. Tem de ser revogada imediatamente", defendeu a especialista da HRW Sarah Sambar.
Uma anterior mexida legislativa já tinha provocado a viva oposição por parte de ativistas feministas e outros elementos e organizações da sociedade civil por implicar a redução da idade mínima de casamento das mulheres de 18 para nove anos, como na Lei de 1959.
Outra ONG, a Amnistia Internacional, alertou recentemente que "estas mudanças abrem caminho à legalização de casamentos sem registo, frequentemente usados para contornar restrições ao casamento infantil", bem como desproteger "mulheres e crianças em termos de divórcios e heranças".
Apesar de as alterações permitirem que os tribunais muçulmanos sunitas atuem conforme os seus códigos próprios, estas instituições continuam reger-se pela Lei de 1959, sendo omissas quanto a seguidores de outras religiões num país multirreligioso como o Iraque.