Entre os 500 identificados, a maioria era do Porto, Aveiro e Braga. Investigadores estão a recuperar memória dos trabalhadores do regime de Hitler.
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António Pereira, Marcelo Silva, José Melheiro e José Ferreira são apenas quatro das centenas de portugueses que trabalharam para os nazis durante a Segunda Guerra Mundial. Nomes que começaram a ser conhecidos nos últimos anos por iniciativa de historiadores que querem recuperar "uma parte da história que se quis apagar". A maioria deles trabalhava em fábricas alemãs e foram recrutados em França, para onde tinham emigrado idos sobretudo do Porto, Aveiro e Braga.
Quando pensamos nas vítimas portuguesas do nazismo, não nos lembramos dos que foram forçados a trabalhar para os alemães. Ficaram esquecidos durante décadas porque, considera Antonio Muñoz Sánchez, investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, "na história oficial construída pelo Estado Novo os portugueses livraram-se da guerra graças a Salazar". O facto de Portugal e Espanha serem países neutros também terá contribuído para esta lacuna na história.
Hoje, sabe-se que o regime de Hitler recrutou 13 milhões de europeus para trabalharem na Alemanha e 10 milhões para trabalharem nos países ocupados, dos quais pelo menos 500 eram portugueses a trabalhar na Alemanha e 40 mil eram espanhóis refugiados da guerra civil, a maioria a trabalhar na Muralha Atlântica.
"EMPURRADOS PELA FOME"
Sobre os portugueses, adianta Sánchez, sabe-se que "grande parte dos trabalhadores forçados iam do Norte, porque a emigração para França era massivamente proveniente daí". "Eram sobretudo do Porto, Aveiro, Braga, Ílhavo e de Coimbra para cima", diz. José Melheiro, por exemplo, era do Porto e terá emigrado de França para Fürth, onde foi detido por motivos desconhecidos e passou três meses na prisão. Marcelo Silva, também do Porto, foi soldado no exército francês e prisioneiro de guerra na Alemanha. Trabalhou de 1943 a 1945 na agricultura.
De José Correia, de Soure, em Coimbra, sabe-se que trabalhou na Muralha Atlântica e na construção de uma base submarina alemã em La Rochelle. Possivelmente foi assassinado pelos alemães. Mesmo assim, o filho não desistiu de o procurar durante décadas.
COMBATENTES EM ESPANHA
Muitos destes emigrantes tinham combatido na guerra civil de Espanha e foram depois apanhados em França pelos alemães. Por motivos políticos ou só por resistência aos interesses alemães, acabaram sujeitos a trabalho forçado em fábricas de armas, químicas e siderúrgicas, mas também na hotelaria, agricultura, nos comboios ou na construção da Muralha Atlântica, na qual, calcula Sanchez, trabalharam uma centena de portugueses. Mas nem todos foram "obrigados".
Dos 13 milhões de europeus que trabalharam para os nazis, "20% eram voluntários empurrados pela fome e não pela simpatia com a Alemanha nazi". Foi o caso de Júlio Moreno, de Viseu, que há 80 anos viajou num comboio especial de trabalhadores voluntários de Vigo para uma vila perto de Cracóvia.
"É TARDE DEMAIS"
Há ainda registo de portugueses que combateram ao lado dos franceses e foram enviados para campos de prisioneiros de guerra onde foram forçados a trabalhar. "Terão sido mais de cem", aponta o investigador. Estima-se ainda que 80 portugueses que moravam em França foram presos e deportados para campos de concentração na Alemanha ou na Polónia.
Juntamente com o historiador Peter Gaida, Sánchez é curador da "Rotspanier", a primeira exposição sobre os 40 mil espanhóis exilados escravos dos nazis, que está agora em Berlim até janeiro. Vai continuar a investigar, mas reconhece que "agora é tarde demais para escrever a história na primeira pessoa porque morreram todos os protagonistas e a documentação é muito administrativa". Além disso, "grande parte destes trabalhadores ficou em França que elaborou a sua memória focando-se nas suas vítimas".
"Há uma faceta da repressão nazi sobre os portugueses até agora pouco conhecida. Embora escassos em número, os portugueses são como um caleidoscópio que permite ver a grande complexidade do gigantesco sistema de exploração de mão-de-obra organizado pelos alemães", observa.
Sánchez espera, contudo, que a pouco e pouco "o interesse por estes portugueses esquecidos cresça".
Dados
100 portugueses
Trabalharam na construção da Muralha Atlântica. Na edificação desta linha de defesa das tropas alemãs participaram meio milhão de trabalhadores, muitos dos quais forçados.
80 moravam em França
Durante a Segunda Guerra Mundial, foram presos, colocados em campos de internamento e deportados para campos de concentração na Alemanha ou na Polónia.
40 mil espanhóis
Trabalharam à força. Andaram durante mais de uma década em tribunal para provarem que tinham sido perseguidos por motivos políticos e muitos foram indemnizados.