Ao JN, Ana Paula Costa, investigadora brasileira do Instituto Português de Relações Internacionais, explica o peso que os resultados da primeira volta terão ao longo do próximo mês de campanha eleitoral.
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Os resultados da primeira volta revelam algum desacordo em relação às sondagens. Era expectável?
As sondagens apontavam que o Lula da Silva iria ter cerca de 51% dos votos, mas há uma margem de erro de 2%, para mais ou para menos. Já o Bolsonaro estava ali em torno dos 35%. O que aconteceu é que nas urnas, o Lula teve o resultado expectável, mas o resultado do Bolsonaro foi melhor do que estava previsto nas sondagens. Em causa está um dos fatores que se tem vindo a discutir muito no Brasil: o voto envergonhado. Ou seja, as pessoas estavam com medo de declarar o sentido de voto e isto acontece por várias razões. Pela violência e também por vergonha. Só que não se sabia qual seria o candidato que o voto envergonhado iria beneficiar, porém, acabou por perceber que este tipo de votos foram mais para o lado do Bolsonaro.
Tendo em conta que estas eleições estão a ser marcadas por uma forte polarização política, considera que pode haver uma intensificação na divisão da sociedade?
Sim, porque os eleitores do Bolsonaro ficaram mais fortalecidos do ponto de vista psicológico para poderem mobilizar-se. Porque, de facto, as sondagens davam menos votos para o presidente, mas nas urnas acabou por ser mais. Isto acaba por moralizar Bolsonaro, que sai mais forte da primeira volta, e também a sua base. Pelo contrário, os eleitores do Lula ficaram um pouco mais fragilizados, porque tinham a expectativa de que o candidato iria ganhar na primeira volta, acabando por sair frustrados. Isto pode levar a um aumento dos episódios de violência entre os apoiantes de cada um. Pode ainda haver uma intensificação do discurso de Bolsonaro, podendo aproveitar os resultados atuais para alegar que as sondagens erraram muito, dando continuidade ao discurso de que apenas acredita no "Datapovo", em vez de no Datafolha (instituto que realiza as sondagens).
Que trunfos serão usados por cada um dos candidatos até dia 30 de outubro?
Da parte do Lula vai haver uma tentativa de apoio dos candidatos do centro e de esquerda, como é o caso de Ciro Gomes, para que esses votos migrem para ele. Vai aplicar a narrativa de apelar ao voto útil e deverá continuar com uma estratégia ofensiva contra Bolsonaro, para tentar demonstrar a corrupção que aconteceu neste Governo, a má gestão da pandemia e a situação económica do país. Embora o Brasil apresente alguns números de crescimento económico, a pobreza aumentou, as pessoas estão sem trabalho e passam fome, e como o Lula apresenta uma pauta mais social, penso que vai continuar nesta linha. Do lado do Bolsonaro, até agora, ele estava a apostar muito na descredibilização da urna eletrónica, só que as urnas apresentaram um resultado mais favorável para ele. Então será difícil continuar a apostar, pelo menos de uma forma tão agressiva, na questão das urnas. Mais para o fim da campanha, se ele vir que não tem subido nas sondagens e achar que vai perder, até pode ser que retome o discurso de descrédito eleitoral. Penso que, para já, Bolsonaro vai depositar todas as fichas na base eleitoral das igrejas evangélicas mais "mainstream" do Brasil.
O eleitorado que votou em Simone Tebet (3º lugar) e Ciro Gomes (4º lugar) poderá ser decisivo para o desfecho da segunda volta?
O Lula vai tentar convencer este eleitorado a votar nele. Mas tenho muitas dúvidas se o Ciro vai declarar apoio a Lula na segunda volta das eleições, porque a forma como ele atacou o candidato e tentou colocar o lulismo e o bolsonarimo no mesmo campo, afastou-o de Lula. Seria um pouco estranho ele vir agora apoiar um candidato que tanto atacou, dizendo que era mau para o Brasil. Por outro lado, a Simone Tebet sinalizou que tinha um lado e pode ser mais favorável a Lula, mas o apoio dela pode não ser o apoio escolhido pelo partido dela. Pelo perfil dos partidos, penso que os eleitores que votaram na Simone podem acabar migrando para Bolsonaro, já que a pauta é mais de Direita. Mesmo que ela apoie o Lula, a influência nos eleitores será mais alavancada pelo partido. Por outro lado, mesmo que o Ciro não apoie Lula, o eleitorado deverá optar pelo candidato do PT devido a questões ideológicas. Mas é tudo um pouco incerto.
O partido de Jair Bolsonaro conseguiu mais assentos no Congresso brasileiro. Qual o peso político para próximos anos?
Com um Congresso com menos renovação, Lula da Silva, caso vença a segunda volta, terá dificuldades acrescidas. Por outro lado, esta já é a base do Bolsonaro, portanto é mais fácil para ele, que já está lá dentro, conseguir governar com o Congresso. Será muito mais simples do que para um presidente novo que teria de reorganizar toda a lógica de forças. E neste momento, no Brasil, o Congresso tem muito peso político.
No que diz respeito aos estados, qual a importância de Minas Gerais e São Paulo nas presidenciais?
Minas Gerais e São Paulo são estados muito importantes porque o colégio eleitoral tem vários eleitores e acabam por ser decisivos na votação. É muito difícil ganhar as eleições sem ganhar nestes dois estados, só que essas regiões, que ficam no sudeste, acabam por ser regiões que votam mais à Direita, por isso são pontos-chave. Para o Lula se eleger no Brasil, teria de obter uma votação muito expressiva no nordeste, mas teria de ser em peso. O facto de Lula ter ganho em Minas Gerais na primeira volta pode ser positivo para ele, sobretudo se conseguir captar os votos do centro político. Nas eleições brasileiras, é atípico o candidato que está à frente na segunda volta perder as eleições. Só do ponto de vista histórico o Lula já tem essa vantagem. Há outro fator importante: é atípico um presidente candidato, como é o caso do Bolsonaro, partir tão mal para a segunda volta. Porque o presidente tem o Estado nas suas mãos. Ele consegue mobilizar os recursos, consegue os apoios e tem nas suas mãos a máquina eleitoral, assim, tem capacidade para se organizar melhor do que um candidato que entra para fazer uma campanha fora da máquina política. E o que se vê é que o Bolsonaro, mesmo tendo esse poder, saiu-se mal nas eleições. Isso mostra alguma incompetência e representa a vontade de mudança por parte dos brasileiros.