Irão responsabiliza curdos por agitação interna e ameaça Iraque com ofensiva militar
Um comandante das Forças Armadas do Irão que visitou esta semana Bagdad ameaçou o Iraque com uma operação militar terrestre no norte daquele país se o exército iraquiano não fortificar a fronteira comum contra os grupos de oposição curdos.
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Várias autoridades iraquianas e curdas, citadas pela agência noticiosa Associated Press (AP), indicaram que tal ofensiva, se realizada, teria contornos graves e sem precedentes no Iraque e levantaria o espetro de consequências regionais da agitação interna em curso no Irão, que Teerão tem vindo a retratar como uma conspiração estrangeira sem oferecer provas.
O aviso foi feito durante esta semana às autoridades iraquianas e curdas em Bagdad pelo comandante da Força al-Quds do Irão, uma unidade de elite dentro da Guarda Revolucionária iraniana, Esmail Ghaani, que chegou à capital iraquiana na segunda-feira para uma visita não anunciada de dois dias.
O regime de Teerão alega que vários grupos da oposição curda há muito exilados no norte do Iraque estão a incitar os protestos antigovernamentais no Irão, ao mesmo tempo que favorecem o contrabando de armas para o país, embora nunca tenha apresentado evidências das alegações, negadas também pelos próprios curdos.
A AP refere que "não está claro" o quão sério é o aviso do Irão, mas coloca Bagdad "numa situação difícil", pois é a primeira vez que autoridades iranianas ameaçam publicamente com uma operação terrestre após meses de tensões transfronteiriças e pedem ao Iraque que desarme grupos de oposição ativos dentro do país.
No entanto, destaca a AP, as autoridades iraquianas disseram em particular que não veem nenhuma evidência que apoie as alegações do Irão contra os grupos curdos.
O Irão está a ser palco de uma onda de protestos desencadeada pela morte em Teerão, a 16 de setembro, da jovem curda de 22 anos Mahsa Amini, três dias depois de violentamente agredida e detida pela "polícia da moral" por infringir o rígido código de vestuário feminino.
Segundo várias organizações não-governamentais (ONG), na sequência dos protestos - classificados pelas autoridades iranianas como "motins" -, as forças de segurança do Irão já prenderam mais de 15.000 manifestantes.
O Irão tem denunciado uma intromissão estrangeira para instigar os protestos e apontou o dedo aos grupos curdos de oposição no norte do Iraque, considerando que estão diretamente envolvidos na agitação civil, com o apoio de Israel.
Teerão tem efetuado repetidamente ataques com mísseis contra as bases dos grupos dentro do Iraque, havendo indicações, não oficiais, de que terão matado mais de uma dezena de curdos e ferindo muitos mais.
Ghaani chegou a Bagdad um dia depois do último ataque iraniano contra bases da oposição em Koya, na província de Irbil, no qual pelo menos três pessoas morreram.
Além de uma reunião com o Presidente e primeiro-ministro do Iraque, Abdul Latif Rashid (natural do Curdistão) e Mohammed Shia al-Sudani, respetivamente, Ghaani também esteve com outros líderes da aliança do Quadro de Coordenação, e com fações de diferentes milícias apoiadas pelo Irão.
Sudani, por sua vez, chegou ao poder como o candidato escolhido pelo Quadro de Coordenação, uma aliança composta principalmente por partidos apoiados pelo Irão.
As exigências de Ghaani são essencialmente duas: desarmar as bases dos grupos de oposição curda iraniana no norte do Iraque e fortalecer as fronteiras com tropas iraquianas para evitar infiltrações.
Se Bagdad não atender às exigências, o Irão lançaria uma operação militar com forças terrestres e continuaria a bombardear as bases da oposição, disse Ghaani aos dirigentes iraquianos, segundo explicaram à AP figuras políticas xiitas, que pediram anonimato.
A área de preocupação do Irão está sob a autoridade da região semi-autónoma curda e exigiria que Bagdad negociasse uma coordenação conjunta.
Os partidos curdos de oposição, embora reconheçam laços profundos com áreas curdas no Irão, também negam que estejam a contrabandear armas para apoiar os manifestantes e os protestos no território iraniano.
Mahsa Amini, a jovem que morreu sob custódia policial, era da cidade curda de Saqqez, onde começaram os protestos contra o regime do 'ayatollah' Ali Khamenei, em setembro.
Os partidos curdos de oposição sustentam que o seu envolvimento não vai além de oferecer apoio moral, aumentar a consciencialização e fornecer assistência médica aos manifestantes feridos que chegam do Irão.
Soran Nuri, um dos principais membros do Partido Democrático do Curdistão no Irão (KDPI), também citado pela AP, disse estar ciente das exigências do Irão, mas garantiu que nunca a formação polícia contrabandeou armas para qualquer país.
"Esperamos que (a região curda) não sucumba a essas ameaças", afirmou.
As autoridades de segurança iraquianas tentaram repetidamente persuadir Teerão de que nenhuma arma está a ser contrabandeada do Iraque para o Irão, mas Teerão "ignora essa garantia", referiu ainda à AP, um alto funcionário curdo, também sob anonimato.
Alguns grupos curdos estão envolvidos num conflito de baixa intensidade com Teerão desde a Revolução Islâmica Iraniana de 1979, levando muitos membros a procurar o exílio político no vizinho Iraque, onde estabeleceram bases.