Itália na via da sedução radical e da retoma dos velhos fantasmas. Giorgia Meloni lidera as sondagens para as eleições deste domingo e apresta-se a ser a primeira mulher no cargo de primeiro-ministro.
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"Mulher, mãe, italiana e cristã" é o quadrado onde se encaixa a presidente do partido nacionalista conservador Irmãos de Itália. Se as eleições legislativas de hoje correrem como indicam as sondagens, Giorgia Meloni será a próxima primeira-ministra italiana e a primeira mulher a ocupar o cargo.
À cabeça de uma coligação que une também a Liga Norte, de Matteo Salvini, e a Força Itália, de Silvio Berlusconi, Meloni lidera a extrema-direita que ameaça voltar a instalar-se na bota da Europa, cem anos depois de a nomeação de Mussolini como chefe de Governo ter impulsionado a ascensão do fascismo no Velho Continente.
É dessa herança, a que não foge a ligação ao Movimento Social Italiano, formação neofascista fundada após a Segunda Guerra Mundial, que a muito provável nova líder de Itália tem passado os últimos anos a tentar demarcar-se, pintando um partido "pós-fascista" e de centro-direita, que, à boa moda populista, promete ser a única solução para quem pede mudança: "Não há lugar para os nostálgicos do fascismo, do racismo e do antissemitismo", garantiu num comício. Mas, se a atuação de vários membros do partido, que deixam escapar opiniões mais extremadas e até saudações nazis que o YouTube não perdoa, já fazem adivinhar um lobo em pele de cordeiro, as linhas defendidas no programa político confirmam a ameaça da liderança "conservadora" e "patriótica".
Meloni é anti-imigração (admite bloquear a chegada de migrantes do Norte de África e proteger Itália da "islamização"), é anti-LGBT (contra aquilo a que chama "ideologia de género" e contra a adoção de crianças por casais do mesmo sexo). É eurocética (quer "menos Europa, mas melhor Europa") e defende impostos iguais para todos, independentemente dos rendimentos.
"Não passa de uma estratégia eleitoral"
Marco Lisi, doutorado em Ciência Política pela Universidade de Florença e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, diz que a narrativa de desradicalização de Meloni "não passa de uma estratégia eleitoral".
"Irmãos de Itália é um partido muito conservador, anti-imigração, antieuropeísta. Embora diga que é moderado, a agenda que defende é da direita radical", nota ao JN o docente da Universidade Nova de Lisboa. Marco Lisi considera que Meloni "não quer assustar o eleitorado moderado, porque é aí que se ganham eleições, e quer entrar no eleitorado dos outros partidos da Direita".
"A luta principal não é para ganhar as eleições. Sabemos, à partida, que a Direita, como um bloco, é superior à Esquerda. A luta é para se afirmar como principal partido da Direita", acrescenta o docente da Nova. E é uma luta que os Irmãos de Itália vão vencendo - com 26% das intenções de voto. A última sondagem confirma o partido de Georgia Meloni como força hegemónica da coligação, que deve conquistar entre 45% e 55% dos assentos parlamentares.
Motivos da supremacia
Segundo Marco Lisi, dois fatores concorrem para esta supremacia: "A tentativa de dar uma cara lavada ao partido, com uma nova liderança e novos dirigentes que não estavam ligados à extrema-direita antiga" e, ao mesmo tempo, "o enfraquecimento da Liga Norte", que levou à transferência de eleitores para os Irmãos de Itália, "que nos últimos anos se tornou no principal partido de oposição".
"Meloni era a principal figura a criticar as medidas do Governo e a propor alternativas. Tem sido mais coerente e, por isso, tem tido vantagens a nível das sondagens", observa aquele investigador, considerando que a forte oposição ideológica entre Esquerda e Direita, em questões económicas, religiosas e culturais, ultrapassa a ligação ao legado fascista do partido: "Isso já está ultrapassado. Não quer dizer que não seja importante para algumas pessoas, mas é uma questão mediática, a nível eleitoral não".