Elefantes, amantes e corrupção são as últimas recordações que guardarão os espanhóis mais jovens do reinado de Juan Carlos I de Bourbon. E é ele mesmo quem o lamenta, em confissão a um amigo.
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Desde a caçada em que partiu a anca, no Botswana, em 2012, os diversos escândalos fizeram esquecer as intervenções do agora rei emérito que ajudaram ao ressurgimento de Espanha como um país democrático. Juan Carlos viu-se obrigado a exilar-se para que o filho mantenha aquilo que tanto lhe custou segurar: a coroa.
Nascido no exílio italiano, Juan Carlos de Bourbon tornou-se com apenas quatro anos herdeiro da coroa espanhola quando Alfonso XIII abdicou em favor do seu pai, Juan de Bourbon.
Sem hipótese de reinstaurar a monarquia em Espanha, o príncipe viu-se mudar frequentemente de casa, até o Estado Novo português abrir as portas do Estoril à sua família. Entretanto, o ditador Francisco Franco mudou de ideias e converteu novamente o país numa monarquia em que seria chefe de Estado vitalício, à luz da Lei de Sucessão de 1947.
Príncipe da ditadura
Um ano mais tarde, Juan Carlos aterrou pela primeira vez em Espanha para ser educado segundo os princípios do regime franquista e, em 1969, ser designado herdeiro da ditadura. O príncipe, que contava com a total confiança do ditador, chegou inclusive a jurar a continuidade e legitimidade da política imposta depois da guerra civil e a atuar duas vezes como chefe de Estado antes da morte de Franco.
Porém, Juan Carlos não cumpriu a palavra e acabou por converter-se na principal figura da transição de Espanha para a democracia.
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Os primeiros passos políticos do rei não foram fáceis. Gerou controvérsia tanto à esquerda, que desconfiava de um retorno ao franquismo, como à direita, que pensava o contrário. Numa tentativa de ganhar a confiança de ambas as partes, Juan Carlos decidiu não acabar bruscamente com o legado franquista, apostando numa mudança mais lenta que reforçasse o poder da coroa e da democracia.
Dispensou o então presidente do Governo, Carlos Arias Navarro, e designou um homem da sua confiança: Adolfo Suárez, principal promotor da Lei para a Reforma Política, que deixou definitivamente para trás as estruturas do regime franquista para se aproximar a um sistema democrático.
Rei e Governo conseguiram ultrapassar juntos todas as críticas, entre elas a legalização do Partido Comunista, até atingir o ponto culminante da transição com a aprovação da Constituição Espanhola de 1978. Com ela limitou os poderes do rei, que ficaria só com funções representativas.
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A prova mais exigente do reinado de Juan Carlos I chegou em 23 de fevereiro de 1981, quando o coronel Antonio Tejero tentou um golpe de Estado por voltar a impor uma ditadura militar. O rei aferrou-se aos princípios democráticos para repelir a tentativa e granjeou, com isso, uma enorme popularidade entre todos os espanhóis.
Quatro décadas depois, essa confiança erodiu-se com as revelações sobre negócios corruptos que podem, um dia, levar Juan Carlos I a sentar-se perante o Supremo Tribunal.
Ícone da estabilidade da Casa Real, Sofia ficou a viver na Zarzuela
Apesar da decisão de Juan Carlos I de abandonar Espanha, a rainha emérita Sofia continuará a viver no Palácio da Zarzuela e a presidir a atos da fundação com o seu nome. A mãe do rei Filipe VI não está envolvida nos escândalos de corrupção do marido e sempre teve o apoio do filho, que conhece na perfeição a boa imagem que ela transmite. Uma postura que alimentou mesmo quando confrontada com a infidelidade do marido, regressando a Madrid para acompanhar Juan Carlos na cirurgia após o acidente no Botswana, mantendo a pose para salvaguardar a imagem institucional apesar de já não partilhar intimidade com o rei. A atitude da família real face ao patriarca foi também defendida pelo presidente do Governo de Espanha, Pedro Sánchez. "Filipe IV está a tomar decisões exemplares e transparentes que todos os espanhóis devem valorizar", afirmou ontem numa conferência de imprensa em que esclareceu que a Justiça persegue exclusivamente o rei emérito e não a Casa Real. "Aqui não se julgam as instituições, julgam-se as pessoas e o rei emérito já confirmou que está à disposição da justiça".