O líder político dos sérvios da Bósnia acusou a primeira testemunha da acusação de ter inventado supostas atrocidades das tropas sérvias, como o massacre de 20 muçulmanos no campo de prisioneiros de Sanski Most.
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Radovan Karadzic, que se defende a si próprio no julgamento por crimes de guerra e genocídio no Tribunal Penal Internacional (TPI) para a ex-Jugoslávia, passou mais de três horas a tentar desacreditar o muçulmano Ahmet Zulic, que testemunhou durante hora e meia.
Zulic afirmou ontem, terça-feira, ter assistido em Junho de 1992 ao massacre de duas dezenas de homens muçulmanos, forçados a cavar as suas próprias sepulturas e depois degolados ou mortos a tiro por um militar sérvio. O ex-prisioneiro disse que apenas escapou a esse massacre porque um antigo professor primário interveio em sua defesa.
Karadzic acusou a testemunha de ter "inventado o caso" e disse que algumas das pessoas acusadas por Zulic estavam preparadas para o acusar de perjúrio.
O muçulmano reagiu desabotoando a camisa para mostrar uma cicatriz em forma de cruz que, disse, lhe foi gravada no peito com uma navalha durante aquele episódio, e uma outra no pescoço. "Não posso esperar por que me acusem", disse.
Zulic, cujo testemunho escrito foi lido e junto ao processo na audiência de terça-feira, descreveu ao tribunal "as condições desumanas" em que viveu nos cinco meses que passou no campo de detenção de Sanski Most, referindo por exemplo que os prisioneiros não tinham acesso a água e se viram obrigados a beber a sua própria urina.
Questionado pela procuradora Ann Sutherland sobre as sequelas dos maus-tratos de que foi vítima, Zulic disse ter tido "sete vértebras rachadas e todas as costelas fracturadas" e, sobre a razão de ter dentes falsos, que os dentes da frente se partiram quando lhe retiraram uma pistola da boca. "Tenho pesadelos, sonho com pessoas que foram mortas, que morriam ao meu lado", disse.
Karadzic, que foi várias vezes advertido pelo juiz de que deve colocar questões concretas e não fazer reflexões em voz alta, afirmou que a testemunha "está perfeitamente treinada", numa alusão à participação de Zulic em outros processos, designadamente o do ex-presidente jugoslavo Slobodan Milosevic.
Depois de Zulic, deverá comparecer em tribunal Suleyman Crncalo, um operário muçulmano expulso da sua casa e cuja mulher foi assassinada em Pale em 1995.
Radovan Karadzic, de 64 anos, está a ser julgado por crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), que fez cem mil mortos e 2,2 milhões de deslocados.
Detido em Belgrado a 21 de Jjulho de 2008, depois de 13 anos em fuga, o antigo presidente da república autoproclamada dos sérvios da Bósnia declarou-se inocente de todas as acusações.