O dia acordou como outro qualquer. Ao som das sirenes e dos helicópteros, claro, mas afinal é de Londres que estamos a falar e em Londres não se estranha o barulho.
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No caminho até Westminster através de Waterloo nada parece diferente. Talvez porque nada esteja, realmente, diferente. Turistas perguntam se o London Eye vai ficar fechado durante muito mais tempo, porque querem ver a cidade lá de cima. Pessoas correm, agitadas, de um lado para outro, só porque agitadas e de um lado para o outro é como vivem o dia-a-dia. A vista do Hospital de St Thomas sobre o Parlamento e a Ponte de Westminster é deslumbrante e, hoje como sempre, assim permanece. A estranheza esteve em vê-la vazia até ao princípio da tarde.
À porta do St Thomas, um homem fuma um cigarro, exausto. "Trabalha aqui?". "Não, nasceu a minha bebé". Que sensação de paz. Charles Wallin é londrino de gema. Passou a última noite fechado no hospital, em pânico - pelo momento e pelo mundo - mas agarrado à bebé de um dia, Pippa, "perfeita". Estava impedido de sair e a família impedida de entrar para conhecer Pippa. Passou a noite a pensar sobre como é assustador um homem sozinho com um carro e duas facas poder causar algo tão tenebroso. "Olhava para a Pippa, linda de morrer, e só pensava mas para que mundo te estou a trazer?". Não há resposta a uma pergunta assim. "O meu dever é educá-la com amor e ensiná-la a ser melhor. Se todos fizermos isto, o mundo vai ser melhor". A filha mais velha de Charles tinha atravessado Westminster dez minutos antes dos ataques, a caminho de visitar a irmã recém-nascida. "Pensar no que lhe podia ter acontecido é um medo paralisante. Estar aqui tão perto, terem trazido o terror para a nossa casa... Não podemos baixar os braços, não podemos fazer nada a não ser continuar a viver". Esta é a esperança de Charles, que do mal venha o bem e que o país se una contra este mal. "Isto é uma minoria, não podemos esquecer isto: eles são uma minoria. Eles não quebraram o espírito dos franceses, pois não? Nem o dos alemães, pois não? Não vão quebrar o nosso".
Mais à frente, um porteiro do hospital sai de um turno que pareceu não ter fim. Há 20 anos que faz este trabalho. "Já vi muitas coisas terríveis". Mas não se fica indiferente a tamanho ato de horror. "Pensar nas crianças que estavam de férias e agora não vão voltar para casa e no quão traumático será para os pais deles faz-me a mim querer não deixar os meus filhos ir a lugar nenhum". Todos os dias atravessa Westminster para ir para o trabalho, ou atravessava. Talvez escolha um caminho diferente nos próximos tempos. Não é racional, mas não há razão em momentos como este. "Não acho que alguém se vá sentir calmo durante muito tempo. É inevitável o pensamento de que está à nossa porta e isso é assustador, mas não há outra forma de lidar com isto: é preciso perceber por que é que estas pessoas estão a fazer o que estão a fazer, mas continuar com a vida".
Todos puxam de um cigarro à saída do hospital, como se fumar os trouxesse de volta à normalidade. Paul Hudson trabalha na rede de comunicações do hospital. À hora do ataque estava no carro, a caminho de casa da namorada. Todos os dias apanha o metro em Westminster, mas, por alguma razão que não sabe explicar, nesse dia escolheu conduzir. Este pensamento arrepia-o e traz-lhe lágrimas aos olhos. Como quando diz que o seu coração está com aquelas crianças e aquele polícia. "Quando ouves oito ambulâncias e tanta polícia sabes que algo se está a passar - este ataque era uma questão de tempo -, mas no final do dia não podemos deixar que o indivíduo nos quebre. E, acima de tudo, não podemos culpabilizar um grupo de pessoas como é tendência nestes momentos. A comunidade de muçulmanos reuniu três mil libras numa hora. Isto diz muito".
Nasa Imode, especialista de cardiologia no St Thomas falava com uma calma que deixa adivinhar o treino para situações destas. "Há protocolos e treinos de emergência e segurança que nos preparam mentalmente. Coisas como esta podem separar as pessoas, categorizá-las, e virar-nos uns contra os outros, mas definitivamente não podemos deixar que isso aconteça".
Dorota Madja ia com dois dos três filhos a caminho de casa, que fica alo mesmo ao lado, "um lugar lindo para viver". Desde que viu os ataques na televisão que não consegue abalar o choque ou conter o choro. "É tão difícil seguir em frente, especialmente com as crianças. Pensas: como é que me consigo manter segura a mim e proteger os meus filhos?". Pensa mudar-se para a periferia, mas não para outro país. É polaca e vive há 11 anos com o marido francês na cidade que é mais do mundo do que dela própria. Conta-me como todos os anos vão a Nice, onde um atentado tão parecido fez 84 mortos em julho passado, celebrar com a família do marido, menos no ano passado porque tinha acabado de ter o seu bebé. Esta sensação de que não se está seguro em lugar nenhum é assustadora. "Tenho medo de ir passear, como adoramos fazer, e não se pode viver assim, mas não me vou embora daqui. Amamos este país: é maravilhoso, as pessoas são incríveis. O que aconteceu ontem é terrível, e não parei de rezar. Fiquei muito surpreendida de ver como a cidade simplesmente continuou, mas no fundo não há outra maneira, certo?" Pergunta-me e pergunta-se: "Por que é que as pessoas não podem viver, simplesmente?". Como diz Paul, "nos anos 80, a cidade era bombardeada e edifícios inteiros iam abaixo. Somos fortes, os britânicos são fortes, nós vamos ficar bem".