Luís Rosa Duarte já foi jornalista em Angola e em Portugal. Tem 79 anos, é português e vive no Brasil desde 1973. O Jornal de Notícias quis saber como é que um português vê as eleições que vão ter lugar no domingo.
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O Brasil é uma democracia desde meados da década de 1980. O que faz destas umas eleições tão diferentes?
O grande marco da mudança política no Brasil é a Constituição de 1988. Com ela conviveram todos os governos, inegavelmente democráticos, cada um deles com diversos vieses políticos e partidários. Mas todos mantiveram a defesa de alguns princípios do Estado Social inscritos naquela Lei Maior. E todos respeitaram, até hoje, a liberdade de expressão.
A principal alteração no tecido social foi o considerável alargamento da consciencialização política, numa proporção bem maior relativamente às eleições anteriores, visível não só nas redes sociais como em movimentos de rua. Bem como a inusitada participação das mulheres, a maior desde sempre, em movimentos começados nas redes sociais e que têm vindo para as ruas. Mulheres de todas as crenças e idades, suprapartidariamente até, têm participado ativamente no processo eleitoral, com uma firmeza não observada em eleições anteriores.
Vai haver lugar a voto útil?
Numa eleição, como a atual, altamente polarizada e fragmentada, não há dúvidas que o "voto útil", ou tático, tem uma força preponderante, que pode, inegavelmente, mudar o rumo dos resultados. Assim como a anulação e a abstenção. Numa pesquisa do Ibope de 26 de setembro, 28% dos entrevistados afirmou ser alta ou muito alta a probabilidade de deixar de votar no candidato de sua preferência para votar em outro que considere mais competitivo contra um terceiro: 10% dos eleitores de Bolsonaro, 17% dos de Fernando Haddad, 21% dos de Ciro Gomes e 14% dos de Geraldo Alckmin.
A população brasileira está consciente da realidade do país?
Infelizmente, penso que a esmagadora maioria não está, não obstante haver uma elite bem informada e consciente, em vários quadrantes ideológicos, predominantemente nas áreas urbanas. Mas os principais problemas - crise económica, desemprego, violência, saúde, educação e corrupção - não têm sido discutidos em profundidade. A tónica dos debates tem andado na ideologia de género, machismo, racismo e feminismo. O que já levou alguém a escrever que "o seu voto vai escolher um Presidente e não um pai"...
Sente que a comunicação social e a internet têm tido influência na decisão dos eleitores?
Imensa. A comunicação social sempre teve enorme influência na formação de opinião e na construção das imagens dos políticos. Porém, o que mais se evidencia na conjuntura atual, é a quantidade e o peso enorme das publicações nas redes sociais, nos blogues, nos grupos de comunicação alternativos. Se podem influenciar, ou não, não sei. Mas são extremamente ativos, infelizmente nem sempre regidos pelas regras de uma civilizada convivência democrática.
Algumas publicações, das milhares que são disseminadas diariamente, bem podiam ser enquadradas na análise crítica de Umberto Eco, quando afirmou, na Universidade de Turim, em 2015, que as redes sociais dão o direito à palavra a uma "legião de imbecis" que antes falavam apenas "em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".
Que expectativas tem para o Brasil após estas eleições?
Creio que resultarão algumas clivagens sociais e políticas e algumas feridas difíceis de sarar. Mas o Brasil é o quinto maior país do mundo em área territorial, o sexto em população, com mais de 210 milhões de habitantes multicultural e etnicamente diversos, um litoral de 7400 quilómetros, um dos principais celeiros do planeta, o maior produtor de café, soja e gado, além de incontáveis riquezas minerais. Sejam quais forem os resultados das eleições, a minha expectativa é a de que o país não vai parar de crescer, de produzir e de se desenvolver. O que todos desejam é que esse desenvolvimento seja acompanhado por maior distribuição de renda e melhorias radicais nos programas de Educação, Saúde e Segurança, combate à corrupção sistémica.
Nota uma participação ativa da comunidade portuguesa?
Tradicionalmente, a comunidade portuguesa não é atuante no cenário político local. Sempre houve um afastamento - ou, pelo menos, um não envolvimento - nas questões políticas internas brasileiras. Afinal, não obstante os laços de amizade e a cordialidade como somos tratados no Brasil, não deixamos de ser estrangeiros. Ou melhor, como há dois anos, também num momento conturbado da vida política brasileira, interrogado sobre o fator de confiança em termos de estabilidade política e financeira, tanto no caso de Portugal, como no do Brasil, o primeiro-ministro António Costa respondeu que as relações entre os dois países "são seculares e não têm a ver com conjunturas". E acrescentou: "Desde que Pedro Álvares Cabral chegou a Porto Seguro já tivemos muitas crises, muitos momentos de forte crescimento e de recessão, umas vezes de um lado do Atlântico, outras vezes do outro lado do Atlântico ou em simultâneo - e não foi isso que diminuiu as relações entre Portugal e o Brasil. Independentemente do momento de estabilidade que hoje felizmente se vive em Portugal e do momento político que se regista no Brasil, só há boas razões para existirem essas relações seculares".
Dada a regra da igualdade de direitos, vai votar?
A igualdade de direitos - civis e políticos - prevista nos acordos bilaterais não é automática, precisa de ser requerida. Requerendo os direitos políticos, os portugueses podem votar e ser votados, por força do Art.º 12º da Constituição de 1988. As exceções, para cargos que são privativos de brasileiros natos, são os de Presidente e vice-presidente da República, presidente da Câmara dos Deputados, presidente do Senado Federal, ministro do Supremo Tribunal Federal, carreira diplomática, oficial das Forças Armadas e de ministro de Estado da Defesa.
Pessoalmente, nunca senti necessidade de requerer os direitos políticos. Pela simples razão de que, se votasse aqui, estaria impedido de votar em Portugal, conforme estabelecido no Acordo da Igualdade de Direitos. Opto votar nas eleições portuguesas, via Consulado.
Encontra alguma semelhança entre a forma de fazer política em Portugal e no Brasil?
Não. As forças políticas têm diferenças acentuadas em relação àquelas que prevalecem em Portugal. Tarso Genro, liderança política do Sul, que foi governador do Estado do Rio Grande do Sul, presidente da municipalidade de Porto Alegre e sucessivamente Ministro da Justiça, da Educação e das Relações Institucionais, inspirando-se na "geringonça" portuguesa, afirmou que "A experiência portuguesa pode indicar um caminho para sairmos da crise política". Será possível? Creio que não. A organização e funcionamento dos partidos é muito diversa, por ausência de programas e fidelidade ideológica ou partidária.