Manifestantes exaustos protestam contra Hamas em Gaza e contra Netanyahu em Israel
Numa Gaza com 50 mil mortes e fustigada por ataques israelitas, pausados temporariamente por uma trégua que ruiu, centenas protestaram na terça e na quarta-feira contra o governo do Hamas. A revolta foi saudada por Telavive, também alvo de manifestações após uma demissão polémica e mudanças no sistema judicial.
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Manifestações com cartazes a dizer “O Hamas não nos representa” foram vistas na Cidade de Gaza e em Beit Lahia, no Norte do território. “Não queremos o Hamas! Estamos cansados”, disse Muayed Zahir à agência France-Presse (AFP). “Apelamos ao [primeiro-ministro israelita Benjamin] Netanyahu: Pare de disparar mísseis contra o povo pobre e triste”, acrescentou.
“Basta, Hamas, com o sofrimento infligido ao povo de Gaza... Estas são as exigências do povo”, acrescentou um manifestante que recusou dizer o nome, citado pela AFP. "Falamos em nome do povo, não estamos a ser controlados por ninguém", salientou.
Basem Naim, oficial do grupo islamita, disse que as pessoas têm o direito de protestar em relação ao sofrimento causado pela guerra, mas denunciou que há “agendas políticas suspeitas” a explorar a situação. “De onde são, o que está a acontecer na Cisjordânia?” indagou o membro do Hamas, em declarações reproduzidas pela agência Reuters. “Porque é que não protestam contra a agressão lá ou permitem que as pessoas saiam à rua para denunciar essa agressão?”, completou.
Os comentários surgem após a Fatah, que comanda a Cisjordânia ocupada, instar o Hamas a “responder ao apelo do povo palestiniano na Faixa de Gaza”. No sábado, o porta-voz do partido em Gaza, Monther al-Hayek, tinha afirmado ainda que o grupo deveria deixar de governar o enclave para salvaguardar a “existência” dos palestinianos. As duas organizações são rivais, tendo dividido a governança dos territórios da Palestina após um conflito em 2007, na sequência das legislativas de 2006, em que o Hamas conquistou a maioria dos assentos no Parlamento.
Apesar de ser difícil mensurar a dimensão da revolta contra os islamitas, uma sondagem publicada em setembro pelo Palestinian Center for Policy and Survey Research, com sede na Cisjordânia, revelou que o Hamas tinha o apoio de 35% dos inquiridos em Gaza – e 36% preferiam que o controlo do enclave pós-guerra ficasse nas mãos desta organização. O mesmo levantamento apontou que 78% teve algum familiar morto ou ferido durante o conflito recente e que 96% tiveram de mudar de abrigo mais de duas vezes.
Os protestos, os maiores desde o intensificar do conflito israelo-palestiniano, a 7 de outubro de 2023, foram bem vistos pelo chefe de Governo de Telavive. “Cada vez mais residentes em Gaza compreendem que o Hamas lhes traz destruição e ruína... tudo isto prova que a nossa política está a funcionar", argumentou Netanyahu.
Revolta com Telavive
O próprio primeiro-ministro israelita, que ameaçou novamente anexar partes do território de Gaza, tem enfrentado nos últimos dias grandes manifestações contra o seu Executivo. Além de pedirem o fim da guerra e o regresso dos reféns no território palestiniano, os revoltosos contestam a demissão do diretor do Shin Bet, a agência de segurança interna de Israel.
Netanyahu despediu Ronen Bar no dia 21 de março devido à “perda persistente de confiança profissional e pessoal”. O chefe da agência considerou que a sua saída foi motivada pelos “interesses pessoais” do primeiro-ministro.
Um documento interno do Shin Bet, divulgado a 4 de março, reconhecia a falha da instituição em relação ao 7 de outubro, mas denunciava “uma política de silêncio permitiu ao Hamas passar por um enorme reforço militar”. A agência investigava ainda o suborno de assessores de Netanyahu, que terão alegadamente recebido dinheiro do Catar.
Os manifestantes protestam também contra a reforma judicial, aprovada esta quinta-feira pelo Knesset, o Parlamento hebraico. A medida, que entrará em vigor na próxima legislatura, facilita o controlo do Governo israelita na nomeação de juízes.
Netanyahu tem sido alvo de um processo judicial devido a diversos casos de corrupção. No caso 4000, os procuradores dizem que o chefe de Governo prometeu alterar regulações, favorecendo a empresa de telecomunicações Bezeq num valor de cerca de 1,8 mil milhões de shekeles (452 milhões de euros). Em troca, o portal Walla!, até então pertencente à empresa, faria uma cobertura positiva do conservador e da sua esposa.
No caso 1000, Netanyahu é acusado de fraude e abuso de confiança por ter alegadamente recebido, em conjunto com a mulher, 700 mil shekels (175 mil euros) em presentes – incluindo champanhe e cigarros - de Arnon Michan, produtor de Hollywood e cidadão israelita, e de James Packer, multimilionário australiano. Por fim, no caso 2000, Netanyahu terá negociado com o dono do jornal “Yedioth Ahronoth”, Arnon Mozes, para que o periódico providenciasse uma cobertura mais favorável em troca de novas leis para atingirem um concorrente da publicação.