Mazón demite-se em Valência e culpa Madrid. Famílias das vítimas da DANA e PSOE condenam

Carlos Mazón durante anúncio de demissão do Governo regional
Foto: Jose Jordan / AFP
O presidente do Governo da região de Valência, Carlos Mazón, apresentou a demissão, esta segunda-feira, após um ano de forte pressão devido à gestão durante as enchentes da DANA (acrónimo em espanhol para depressão isolada em altos níveis), que devastou a região espanhola e provocou 229 mortes. O discurso de saída, com dedos apontados ao Executivo espanhol, não foi bem recebido em Madrid, nem pelos familiares das vítimas.
"Reitero hoje, mais uma vez, que nunca nenhum Governo regional enfrentou um desafio remotamente parecido", considerou o político do Partido Popular (PP), ao iniciar o discurso, tecendo críticas à falta de apoio por parte do Executivo espanhol, comandado pelos socialistas. "E chegou a hora de reconhecer os próprios erros", acrescentou Mazón.
O líder valenciano, que permanece por enquanto em funções, referiu a "ingenuidade" em confiar no Governo de Pedro Sánchez para agilizar o envio de ajuda. Arrependeu-se de ter "mantido a agenda do dia", mesmo que, no início da tarde, a região da ravina de Poyo, a mais atingida pela DANA, "estivesse seca". "Mas também é verdade que, no outro extremo da província, e sem relação com Poyo, ao meio-dia, a tempestade estava centrada em Utiel, e eu deveria ter tido a perspicácia política de cancelar a minha agenda e viajar para lá", frisou.
"Ao fazê-lo, cometi outro erro: permitir que a ideia de um presidente alheio à emergência naquela tarde fatídica se enraizasse na consciência pública", declarou Mazón. "Sei que cometi erros, reconheço-os e vou viver com eles para o resto da minha vida. Já pedi desculpa e peço desculpa novamente hoje. Mas nenhum deles foi motivado por cálculo político ou má-fé", alegou.
"A realidade é que hoje sou alvo de críticas, ruído, ódio e tensão. Talvez seja esse o maior obstáculo que me resta ultrapassar. Um obstáculo que ocorre em paralelo com o renascimento que Valência está a viver", sublinhou o político conservador para justificar a demissão, voltando a culpar o Governo espanhol pela "informação errónea" divulgada antes e durante a tempestade.
"Liderar este trabalho, que já está bem encaminhado, exige uma força especial que nem eu nem a minha família possuímos. Não mais. E como a missão que esta comunidade ainda enfrenta é primordial, deve receber o impulso que merece", afirmou Mazón, apelando à maioria no Parlamento valenciano a escolher um novo presidente regional.
"Está a fazer-se de vítima"
O discurso do político do PP não foi bem recebido pelos familiares das vítimas, que há um ano protestam e pedem a demissão do líder valenciano. "Foi uma declaração dolorosa e indigna. Está a fazer-se de vítima, a mentir, a culpar o Governo e a ciência, à qual ele e o seu Conselho viraram as costas", salientou Rosa Álvarez, presidente da Associação das Vítimas Mortais da DANA, à cadeia de rádio SER.
"Ele não se demitiu. O seu partido não o obrigou a demitir-se. Nós, as famílias das vítimas e todas as pessoas que nos apoiaram, forçámo-lo a demitir-se", destacou Álvarez, acrescentando que o processo sobre a resposta à tempestade "não termina aqui, nem de longe".
Segundo fontes do PP ouvidas pelo jornal "El País", a comissão de investigação a decorrer nas Cortes Valencianas, o Parlamento regional, não deve contar com uma audiência de Mazón, que deve ficar de baixa médica. As Cortes, que até agora ouviram apenas peritos técnicos e outros especialistas, convocaram, esta segunda-feira, as primeiras figuras políticas - nomes do Governo espanhol, mas não do Executivo regional, incluindo o primeiro-ministro Pedro Sánchez, que não deve comparecer. As famílias das vítimas ainda não foram chamadas.
Socialistas querem eleições
Apesar de a saída de Mazón ser "um alívio parcial" para o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), a renúncia é "insuficiente". A secretária-geral do PSOE valenciano, Diana Morant, citada pela agência Europa Press, agradeceu ainda às "milhares e milhares de vítimas" pela pressão contra o presidente regional.
A também ministra espanhola da Ciência, Inovação e Universidades apelou à antecipação das eleições. O político do PP "não pode roubar a voz do povo valenciano", defendeu Morant, que argumentou que os eleitores devem "decidir qual deve ser a nova etapa na Comunidade Valenciana e qual deve ser essa mudança de rumo".
Busca pelo sucessor
O pedido de Mazón de haver uma continuidade com a coligação PP com a extrema-direita do Vox na Generalitat é ecoado pelo líder nacional popular, Alberto Núñez Feijóo, citado pelo "El País". "Peço aos partidos que apoiam o Governo regional que estejam à altura da situação e facilitem o mais rapidamente possível a eleição de um novo presidente que atue com a responsabilidade que o povo valenciano merece", ressaltou.
Após oficializada a saída do atual presidente regional, os grupos parlamentares tem 12 dias úteis para apresentar candidatos às Cortes Valencianas. Passados três a sete dias, uma sessão de investidura é agendada para quem obtiver a maior quantidade de apoios. Caso o PP falhe em renovar o acordo de coligação com o Vox, espera-se a convocação de eleições.
