Ministra israelita diz que Macron "eliminou a diplomacia" e que só "resta a opção militar"
A vice-ministra dos Negócios Estrangeiros israelita acusou, este domingo, em entrevista à Lusa o presidente francês, Emmanuel Macron, de "eliminar a hipótese da diplomacia" e de deixar a Israel "apenas a opção militar" no conflito na Faixa de Gaza.
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No dia em que Portugal se junta aos reconhecimentos do Estado palestiniano já anunciados por Reino Unido, Canadá e Austrália, a que se seguirão outros seis países, incluindo França, a vice-chefe da diplomacia israelita disse que "só há dois caminhos, a diplomacia ou a opção militar", para um cessar-fogo com o grupo islamita palestiniano Hamas e recuperar os reféns que mantém na sua posse.
"Quando Macron eliminou a hipótese de diplomacia, resta-nos apenas uma opção militar", declarou Sharren Haskel, que acusa o líder francês de orquestrar a vaga de reconhecimentos internacionais da Palestina, vista por Telavive como uma recompensa para o Hamas e com pouca influência de mudar os acontecimentos no terreno de operações.
A guerra "é e será sempre terminada de uma só forma, quando os reféns regressarem a casa e quando o Hamas se desarmar", prosseguiu a vice-ministra, que declara que Israel "sempre escolheu a diplomacia sempre que teve essa oportunidade", com "um custo muito caro" nas tréguas anteriores que permitiram o regresso de parte dos 251 reféns levados pelos radicais islamitas nos seus ataques de 7 de outubro de 2023 em solo israelita.
"Sempre escolhemos isso [a negociação]. Mas neste momento, devido a Macron, a via diplomática foi obliterada e só nos resta a outra via, a campanha militar", insistiu a número dois da diplomacia de Telavive, que apenas antevê o fim das hostilidades quando Israel se certificar que o Hamas fica desarmado e os últimos 48 reféns, dos quais apenas 20 se presume que estejam vivos, regressarem a casa.
A governante alega que Macron e outros dirigentes europeus já tinham interferido nas negociações com o Hamas, "durante um dos períodos mais sensíveis desde o começo da guerra", apontando a fase que se seguiu aos bombardeamentos há um ano que dizimaram a liderança do grupo libanês Hezbollah, aliado do Hamas, e ambos apoiados pelo Irão.
Na altura, prosseguiu, apesar da trégua alcançada no Líbano, a direção dos radicais palestinianos "continuou a insistir [no conflito militar] e a não se comprometer com um cessar-fogo e com o regresso dos reféns" e que têm sido usados como arma negocial. E o mesmo aconteceu após os ataques de Israel em junho passado contra o Irão.
"Depois da operação iraniana, pensámos que talvez houvesse uma opção para o Hamas se comprometer", recordou, adicionando que, por três vezes, o enviado da Casa Branca para o Médio Oriente, Steve Witkoff, "pôs em cima da mesa uma proposta de cessar-fogo e por três vezes Israel disse que sim e fazia mais concessões para satisfazer as exigências do Hamas".
Ainda assim, alega que os enviados israelitas deslocaram-se uma terceira vez a Doha para se reunirem com os mediadores internacionais em busca de "algum tipo de solução, uma solução diplomática", mas que, no final, acabou com o ataque de Israel contra a delegação do Hamas na capital do Qatar, mas "numa fase em que já não havia nenhuma negociação".
Sharren Haskel sublinha que nas últimas rondas de diálogo, "durante esse período sensível e muito delicado", o ministro dos Negócios Estrangeiros neerlandês "decidiu lançar um debate sobre um boicote israelita, um boicote económico" e depois veio "um boicote académico", seguido de discussões sobre punições da União Europeia.
"E finalmente surgiu Macron a dizer que reconhecia um Estado palestiniano e nesse dia eliminou completamente a hipótese de um cessar-fogo, porque todas as semanas o Hamas recebia a sua mensagem e quanto mais se recusasse e mais esta guerra se prolongasse, mais será recompensado por isso", defendeu.
De acordo com a vice-ministra dos Negócios Estrangeiros, o chefe do Governo israelita, Benjamin Netanyahu, "já tinha dito a Macron que negociar agora, em tempo de guerra, durante tanta tensão, não é o clima adequado para discutir a forma de resolver o conflito israelo-palestiniano".
Além disso, frisa que a decisão de reconhecimento do Estado da Palestina é tomada "unilateralmente, sem falar com Israel, sem a aprovação de Israel", numa tentativa de forçar o país "a seguir um plano com o qual não concorda" e que diz merecer a desaprovação nas sondagens do seu próprio povo, ao contrário, porém do que sucede com a defesa da via negocial para o fim do conflito na Faixa de Gaza
A governante alerta que o seu país "não está a negociar com um governo ou uma democracia", mas com "uma organização terrorista que abusa e mata não só israelitas mas também palestinianos", duvidando que a atual Autoridade Palestiniana, dominada pelo grupo político Fatah, consiga continuar a gerir as partes sob o seu controlo na Cisjordânia.
"Se houver eleições hoje, o Hamas ganhará a Autoridade Palestiniana. Por isso, a minha pergunta é: se estão a entregar um Estado à Autoridade Palestiniana, quem é que vai garantir que o Hamas se desarma? Vão enviar soldados portugueses", questionou.
Do mesmo modo, desvaloriza a intenção declarada por França de propor um destacamento internacional para a região, observando que a missão da ONU no Líbano "foi incapaz de desarmar o Hezbollah e proteger os civis israelitas" dos ataques do grupo xiita e que os "capacetes azuis" na Síria precisaram de ajuda de Israel para se libertarem de milícias "jihadistas".
"Lamento, mas isto está completamente desligado da realidade significa apenas falta de compreensão do Médio Oriente", criticou a política israelita, lamentando que, após os ataques do Hamas, "não houve um único soldado de Portugal, do Reino Unido ou de França que viesse para defender o povo de Israel contra o massacre de judeus".
Nesse sentido, afirma que Israel reforçou a consciência de que precisa garantir a capacidade de defender o seu povo sozinho: "Se alguém declarar que o Hamas vai ser desarmado, eu perguntaria: como, quem, quando? São perguntas que ninguém tem resposta".
Sharren Heskel enquadra os conflitos em que o seu país está envolvido com mudanças na política externa e utilização dos seus inimigos das instituições e organizações internacionais como instrumentos na guerra contra Israel.
"Muitas dessas instituições foram destruídas pelo facto de serem politizadas. E é muito dececionante, é muito triste, porque acho que o mundo precisava delas", comentou, ao elencar países aliados como os Estados Unidos, a Hungria, a República Checa, a Alemanha e a Itália que "compreendem a mudança do que está a acontecer na arena internacional".
E Israel, prosseguiu, "está na linha da frente destas ameaças", embora outros países aliados, incluindo três do G7 (grupo das sete maiores economias do mundo) e cinco da União Europeia, tenham avançado com o reconhecimento do Estado Palestiniano contra a opinião de Telavive, contribuindo para uma ameaça de isolamento,
A vice-ministra dos Negócios Estrangeiros considera que existe "uma campanha de propaganda em massa contra Israel" iniciada nas últimas duas décadas, que diz ser liderada pela Irmandade Muçulmana e Guarda Revolucionária do Irão, que "usam a pressão económica para comprar o seu caminho para a pressão política", através de investimentos de milhões de dólares nas redes sociais e media, como afirma ser o caso da estação televisiva qatari Al-Jazeera.
"O mundo não devia estar preocupado com Israel porque não se trata de Israel, eles têm estado a radicalizar as pessoas em todo o mundo", alertou, prevendo uma ameaça "mais profunda às democracias liberais ocidentais", numa confrontação que visa "um domínio islâmico mundial e Israel é apenas um sintoma".
Os reconhecimentos da Palestina já hoje anunciados antecedem a conferência, promovida na segunda-feira por França e Arábia Saudita, sobre a solução dos dois Estados, no âmbito da semana de alto nível da 80.ª Assembleia-Geral das Nações Unidas.
Acontecem também numa fase em que Israel intensificou as suas operações militares de ocupação da cidade de Gaza, com o objetivo de eliminar os últimos redutos do Hamas e recuperar os 48 reféns que o grupo radical mantém na sua posse, dos quais se estima que 20 estão vivos.
Israel está sob grande pressão internacional devido aos seus planos militares, que implicam a deslocação de quase um milhão de palestinianos da principal cidade do enclave, após o conflito já ter provocado mais de 65 mil mortos, segundo as autoridades locais controladas pelo Hamas. As autoridades israelitas enfrentam também acusações por parte de peritos da ONU de genocídio e de utilização da fome como instrumento de guerra, o que é refutado por Telavive.