Na comunicação diária em vídeo, na profusão de mensagens difundidas nas redes sociais, diante de Parlamentos, o presidente ucraniano tem conquistado a empatia de auditórios desarmados por uma postura não convencional
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Em cada noite, coloca-se diante da câmara, num gabinete imerso na penumbra. Olhar assertivo, tom firme, discurso articulado, direto, incisivo. Atira a mensagem que tem como alvo a população agastada de uma nação dilacerada mas também o Mundo, que há um ano tem os olhos postos nele, que o escuta com espanto perante a revelação de um líder improvável. A ele, presidente de um país que, antes de 24 de fevereiro de 2022, era sobretudo o celeiro da Europa, território encaixado na ponta mais a Leste do velho continente, encostado ao gigante russo que de vizinho se converteu em agressor. Para lá da guerra que se trava no terreno, há uma outra que se socorre de mecanismos da comunicação, que Volodymyr Zelensky domina como poucos, entre a retórica sustentada em frases que perduram e a agilidade performativa de um político que carrega, além da base argumentativa do Direito, treino e respiração de ator.
Antes do estalar da ofensiva russa em solo ucraniano, Zelensky equilibrava-se já com dificuldade na missão presidencial, debilitado pelo decréscimo acentuado nos índices de popularidade, distantes da euforia coletiva que, a 21 de Abril de 2019, o lançara para a chefia do Estado ucraniano com 73% dos votos, alavancado pela popularidade televisiva.
Se a intensa imersão nas redes sociais e uma estratégia de campanha não ortodoxa lhe valeram o lugar no Palácio Mariyinsky, não é de estranhar que já enquanto presidente de um Estado em guerra, Zelensky tenha lançado mão aos recursos comunicacionais que melhor domina: na imagem, na voz, na mensagem, no discurso mordaz que potencia desconforto e comoção, que alicerça conexão íntima com a audiência, que se ajusta a uma multiplicidade de públicos com a destreza de um malabarista.
"Ele sabe como encarnar o espírito da nação. Não só no discurso, mas também no modo como aparece, no seu cenário, onde ele fala", disse Jonathan Eyal, diretor associado do Royal United Services Institute, "think tank" de defesa e segurança do Reino Unido, citado pela BBC. E o discurso tem como propósito, desde o primeiro dia de guerra, aquietar temores de uma audiência doméstica mas também, e em todos os momentos, congregar apoio internacional.
Périplo parlamentar
Mas não só de declarações diárias em vídeo e de uma torrente de mensagens nas redes sociais, em plataformas como o Telegram e o Twitter, se faz a comunicação do presidente que veste invariavelmente roupa casual, em verde-camuflado. Poucas semanas depois do arranque do conflito, já Zelensky cumpria um exaustivo périplo por Parlamentos do mundo ocidental - dez no espaço de duas semanas. Narrativas adaptadas a cada um dos auditórios, com referências a momentos históricos que apontam diretamente ao âmago de cada nação: a queda do Muro do Berlim, os ataques do 11 de setembro, o espectro do desastre nuclear no Japão, os princípios matriciais de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", em Paris, ou a Revolução dos Cravos, em Portugal.
Terminado o discurso inflamado, a despedida com punho cerrado, para desaparecer diante de ovações em pé, no registo apressado de quem tem múltiplas solicitações, entre a vida e a morte, a que acudir. E o auditório extasiado, entre o desconforto e a exaltação, diante da mensagem de um homem que prescinde de contenção e de requintes da diplomacia para expressar, de modo frontal e não convencional, a ira e exasperação de um povo a braços com uma frágil sobrevivência.
"Além de suas inegáveis habilidades de liderança genuína, Zelensky está também a oferecer uma masterclass em comunicação estratégica. Os líderes políticos em todo o mundo podem aprender muito com a fala habilidosa de Zelensky - tão diferente das habituais críticas partidárias de Washington ou de réplicas de alguns espelhos que vemos com frequência. A eloquência de Zelensky não apenas captou a atenção do mundo, mas provou ser o catalisador de grandes mudanças políticas", referiu Evan Nierman, estratega de relações públicas e gestor de crises, citado pela revista Forbes.
O analista refere-se a Zelensky como "mestre do sound bite", que reduz cada mensagem a curtas frases, memoráveis, rapidamente citadas pelos média. E deixa exemplos já facilmente associáveis ao líder ucraniano: "O combate é aqui. Preciso de munições, não de boleia"; "Esta será a vitória da nossa liberdade. Esta será a vitória da luz sobre as trevas, da liberdade sobre a escravidão"; "Quando nos atacarem, vão ver os nossos rostos, não as nossas costas".
Edward Segal, colaborador da Forbes, considerou que a intervenção de Zelensky no Congresso norte-americano, a 21 de dezembro, "foi uma masterclass em comunicação de crise para executivos". "A sua escolha de vir a Washington demonstrou comprometimento, criou conexão e aumentou o alinhamento com a sua causa", acrescentou, exemplificando com as referências habituais do chefe de Estado a valores democráticos e ocidentais. Sempre sem envergar fato ou fardamento militar, numa aproximação ao povo e às trincheiras, de quem rejeita colocar-se no lugar de um burocrata.