Facebook atravessa escândalos, é eleita pior empresa do ano e a sua entrada no metaverso alarma especialistas. Vai criar 10 mil novos empregos europeus.
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Quando não se gosta da conversa, muda-se o assunto: é o que está a fazer o Facebook, acusa Frances Haugen, ex-gestor de produto tornada denunciante da rede social. Este foi o seu ano horribilis, diz.
O escândalo deflagrou em outubro, as réplicas perduram: Haugen divulgou estudos internos que provam o rompante ímpeto capitalista da empresa, onde o lucro é supremacista sobre toda a escala de valores. Pior: a rede social criada em 2004, e desde sempre soberana, com 2,8 mil milhões de utilizadores, sabe que os seus sistemas amplificam extremismo e ódio, falham em proteger jovens de conteúdos nocivos que causam adição e propiciam doenças mentais, mas descumpre na resolução dos problemas.
"A quantidade de danos que causa é incalculável", diz Haugen. "Não se deve deixar que o Facebook crie um metaverso distópico". Como não gostou da conversa da perceção pública, o Facebook desconversou: entre a mudança de nome da empresa-mãe para Meta, anunciou a entrada acelerada no metaverso. E agora, esse mundo irrestrito da realidade virtual está no centro da estratégia do gigante social. Que esse metaverso será viciante e extorquirá aos utilizadores (ainda mais) informação pessoal, dando à empresa novo monopólio online, é um pormenor a deslembrar.
Pior empresa do ano
Nada disso impede dois factos. Um: os resultados líquidos do 3.º trimestre subiram 17%, para 9,1 mil milhões de dólares, e as receitas aumentaram 35%, para 29 mil milhões. Segundo: a Yahoo Finance elegeu o Facebook a pior empresa de 2021, com 50% de votos a mais do que a segunda, a Alibaba, empresa chinesa de comércio eletrónico; a melhor de 2021, entre ética e desempenho, é a Microsoft.
Especialistas dão alerta
"O Facebook, um monopólio absoluto, devia ter perdido o direito de fazer as suas próprias escolhas. Um regulador devia pré-aprovar tudo o que fazem", diz ao JN Nelson Zagalo, especialista em media da Universidade de Aveiro. "Mas a regulação, de iniciativa política, é demasiado lenta. E desmontar práticas de monopólio é muito complexo", diz.
"Não há lideranças absolutas eternas", comenta Miguel Crespo, do ISCTE, citando exemplos do ex-gigante telefónico Nokia e do serviço Messenger da Microsoft, já extinto. "E ser líder não garante imunidade. Mas, o Facebook vai perder a liderança? Não, de todo".
Os especialistas concordam: "A falta de privacidade vai agudizar-se no metaverso, assim como a adição, as doenças mentais e outros distúrbios", diz Crespo. E alerta: "As empresas que controlem o metaverso podem ter mais poder do que as democracias e isso não se deve permitir", diz. "O metaverso, que tem imenso potencial social, pode ser muito vantajoso, por exemplo na aproximação de insulares e em soluções de saúde, mas falta-lhe ainda sustento tecnológico", adianta Zagalo. "No futuro, vai envolver-nos na distopia", diz.
10 mil novos empregos
Agora, o Facebook pede "discussões mais honestas", e diz "trabalhar com cada vez mais investigadores, reguladores e legisladores para resolver estes assuntos", confessou o vice-presidente Nick Clegg. E, citando "as vantagens dos valores europeus, anunciou "o recrutamento de 10 mil europeus altamente qualificados" e "novos investimentos em parceiros locais para criar responsavelmente o metaverso".
Mil milhões de pessoas. É este o nível de grandeza e expansão do Facebook, a principal empresa do novo conglomerado Meta: 2,81 mil milhões de pessoas estão ligadas à rede social mais poderosa do mundo.
Apesar do seu alegado "ano horribilis", o Facebook continua a atrair novos utilizadores. Entre o ano passado e este, a empresa de Zuckerberg aumentou em 11% o seu alcance global.
As revelações de Frances Haugen
A notoriedade de Frances Haugen - uma das 100 mulheres mais poderosas de 2021, diz a "Forbes" - começou em outubro após divulgar documentos internos do Facebook que provam como a rede social prioriza o lucro em detrimento da segurança. Exemplos: promoção de discursos de ódio, que dão mais tráfego; uso de marketing abusivo para crianças; fraca moderação na propaganda política ou na desinformação sobre vacinas; ou um estudo ignorado sobre os efeitos negativos do Instagram na saúde mental dos jovens e os efeitos de adição que provoca, semelhantes aos da droga. Desde aí, Frances testemunhou no Congresso dos EUA, no Parlamento britânico e na UE. É agora uma ativista da supervisão pública das redes sociais.
O que é a Meta e o que significa a mudança?
Meta é, desde outubro, o nome da empresa-mãe das redes sociais Facebook, Instagram, Messenger e WhatsApp. O portfólio do conglomerado Meta integra ainda novos serviços já antes adquiridos, como o Oculus VR (realidade virtual) ou a Beat Games (videojogos) para a persecução do objetivo da criação da nova realidade Metaverso.
O que tem a Meta de novo?
No dia 9 deste mês, a Meta abriu aos EUA a sua plataforma de realidade virtual Horizon Worlds, o novo passo para a construção da sua visão do metaverso do futuro. No Horizon Worlds, a experiência online é mais rica: permite simular situações presenciais através de dispositivos de realidade virtual e efetuar ações como conversar, jogar e construir um mundo digital imersivo próprio.
E o metaverso é o quê e para que serve?
Metaverso é a internet do futuro. É um espaço de realidade virtual, criado através de dispositivos digitais, no qual pode haver interação entre utilizadores. Trata-se de um mundo simulado que aposta tudo nas suas capacidades imersivas, isto é, manter o utilizador mergulhado na simulação da sua própria realidade. Aglutina os conceitos de internet, realidade aumentada e realidade virtual.
Já existe o metaverso ou é só coisa do futuro?
O termo metaverso surgiu em 1992 no romance cyberpunk "Snow crash", de Neal Stephenson. Passa-se num futuro distópico de anarco-capitalismo e o protagonista, Hiro, é um pirata informático que vive no mundo virtual através de um avatar (a sua representação gráfica virtual).
Que exemplos conhecemos de metaverso?
O cinema é pródigo em histórias centradas no metaverso. "Ready player 1" (2018), de Spielberg, mostra-nos o protagonista a transitar, através do avatar, para um mundo de simulação sensorial. O mais famoso é "Matrix" (1999) e a tese de que o mundo real é, afinal, uma ilusão. Título curioso é "Surrogates" (2009), com Bruce Willis, passado num futuro onde os humanos vivem isolados, em aparelhos de realidade virtual, e interagem através de robôs substitutos que são cópias perfeitas, e jovens, dos seus corpos.