Os EUA acreditaram durante meses que a influência de Pequim sobre Moscovo poderia travar a guerra na Ucrânia, mostrando mesmo provas do reforço militar russo. Enquanto europeus e americanos agravam as sanções, a China já veio a público dizer que está totalmente aberta às importações de trigo vindo da Rússia. Contradições de uma superpotência que tem Taiwan o seu calcanhar de Aquiles.
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Durante três meses, altos funcionários da administração Biden realizaram pelo menos meia dúzia de reuniões urgentes com altos funcionários chineses, nas quais os norte-americanos apresentaram informações obtidas pelos serviços secretos que comprovavam um aumento das tropas russas em torno da Ucrânia. Segundo o "New York Times", os americanos imploraram aos chineses que dissessem à Rússia para não concretizar uma invasão.
De forma sistemática, as autoridades chinesas, incluindo o ministro dos Negócios Estrangeiros e o embaixador nos Estados Unidos da América (EUA), rejeitaram os apelos, dizendo que não achavam que uma invasão estivesse realmente em andamento. Em dezembro último, as autoridades dos EUA concluíram que Pequim tinha compartilhado todas informações com Moscovo, dizendo mesmo aos russos que os EUA estavam a tentar semear discórdia entre as duas superpotências. De qualquer modo, a China tranquilizou Putin, garantindo que nunca tentaria impedir os planos e ações dos russos.
Taiwan não é a Ucrânia e sempre foi uma parte inalienável da China
Numa altura em que as sanções à Rússia são a palavra de ordem no Ocidente, Pequim aproveitou o primeiro dia da guerra para dar o sinal contrário. A China anunciou que está totalmente aberta às importações russas de trigo, constituindo este o mais recente sinal de fortalecimento dos laços bilaterais. O anúncio da Administração Geral de Alfândegas da China foi tornado público na quinta-feira, horas depois de as tropas russas darem início à guerra. No entanto, a medida em causa fazia parte de um pacote de acordos feitos durante a visita do presidente russo, Vladimir Putin, a Pequim no início do mês. Aliás, nos últimos anos, os laços bilaterais foram sendo reforçados sob o comando do presidente chinês, Xi Jinping, que recebeu pessoalmente o seu homólogo na referida deslocação do senhor do Kremlin a Pequim.
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A invasão da Ucrânia deixa a China perante "contradições gritantes", balançando entre os seus princípios sobre integridade territorial e a sua inclinação para Moscovo, constituindo este um "teste importante" da "evolução política" de Pequim, aponta, à Lusa, Evan A. Feigenbaum, vice-presidente do grupo de reflexão Carnegie Endowment for International Peace.
O país asiático quer encontrar um "equilíbrio impossível ao almejar três objetivos: parceria estratégica com a Rússia; defesa de princípios de longa data da sua política externa, de 'integridade territorial e não interferência' nos assuntos internos de outros países; e o desejo de minimizar os danos colaterais das sanções impostas a Moscovo", afirma Feigenbaum.
Recorde-se que a China enfrenta em Taiwan um problema de integridade territorial. Na quarta-feira, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, tentou comparar as duas situações. Taiwan "não é a Ucrânia" e sempre foi uma parte inalienável da China, disse de imediato o Ministério das Relações Exteriores chinês. Ou seja, a China nunca tolerará qualquer interferência militar externa sobre Taiwan, mas tem minimizado a gravidade do ataque bélico russo a um Estado internacionalmente reconhecido enquanto tal, como é o caso da Ucrânia. A ilha independentista acaba por constituir o calcanhar de Aquiles de Pequim.
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Na última segunda-feira, a China não endossou o reconhecimento por Putin da independência das duas repúblicas separatistas do leste da Ucrânia e nem a decisão russa de enviar mais soldados para junto da fronteira, antes da invasão que seria só concretizada esta quinta-feira. No entanto, Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, disse que Pequim "pediu às partes que respeitassem as preocupações legítimas de segurança dos outros". Aliás, a influência da China ficou à vista esta sexta-feira, quando o presidente russo disse a Xi Jinping que está disposto a realizar "negociações de alto nível" com a Ucrânia.
Apesar das boas relações entre os dois países, a embaixada chinesa em Kiev afirmou esta sexta-feira que as condições na Ucrânia "deterioraram-se acentuadamente". Por outro lado, esclareceu que os passageiros devem ter um passaporte da China ou das regiões chinesas de Hong Kong ou Macau ou um "cartão de compatriota de Taiwan. No dia anterior, a embaixada da China já tinha pedido aos seus cidadãos que ficassem em casa e que colocassem bandeiras chinesas nos seus veículos se precisassem de viajar.