Ativista bielorrussa em Portugal fala ao JN da situação do país entregue ao "último ditador da Europa", que vai ser reeleito em agosto.
Corpo do artigo
Olga Rychkova tem 26 anos e não se chama assim. Admite que tem medo, não por ela, mas pelos seus, e que por isso há de ser Olga Rychkova. Tem medo, mas está sobretudo "cansada de ter medo". É bielorrussa e gritou contra "o último ditador da Europa" desde a Praça Luís de Camões, em Lisboa. Porque, diz ao JN, é preciso que a Europa ouça os gritos da população e olhe finalmente para aquele país encravado entre dois gigantes que se prepara para reeleger Alexander Lukashenko, um homem que defende a ingestão de vodca contra a covid-19. É preciso, insiste, que a Europa "fale sobre isto" e faça alguma coisa. Com sanções ou o que for.
Em causa está um homem que se perpetua no poder que ocupa desde 20 de julho de 1994, primeiro e sempiterno presidente desde que a Bielorrússia tem presidente, cargo criado três anos depois da dissolução da União Soviética. Contra a qual Lukashenko votou enquanto deputado bielorrusso. Foi o único a fazê-lo. E era de tal forma contra que foi a única ex-república soviética a manter o formato securitário da União: a Polícia bielorrussa dá, até hoje, pelo nome de KGB, tal como se mantêm os símbolos da era soviética e da vitória na II Guerra Mundial.
Opositores silenciados
São 26 anos de poder, tantos quantos os de Olga. E 26 anos bastam. Diz ela e dizem os milhares de manifestantes que têm ousado enfrentar o medo e encher as ruas de Minsk. Porque, mais uma vez, a história repete-se: Lukashenko conseguiu a inviabilização das candidaturas opositoras que lhe fariam sombra - há estatísticas "não oficiais" que apontam a vitória de uma delas - e a prisão dos que as encabeçam. Sinal de medo, dizem analistas.
Viktar Babarika, ex-banqueiro da russa Belgasprombank e filantropo, era o eleito das ditas sondagens ilegais (uma lei proibiu os inquéritos de opinião independente e uma simples pergunta no Facebook resulta numa visita da KGB). Foi preso em junho por alegadas fraudes financeiras.
Siarhei Tsikhanovski, blogger e youtuber de sucesso, correu o país para sentir o pulso anti-"barata", nome carinhoso por dá a Lukashenko, até ser preso em maio. "Perturbação da ordem pública" foi a alegação.
Valery Tsepkalo, ex-diplomata e homem de negócios, não chegou a ser preso. Mas fugiu há dias com os filhos para Moscovo, porque os filhos de quem se opõe a Lukashenko foram ameaçados. A sua candidatura fora inviabilizada na Comissão Eleitoral, através da rejeição de parte das 100 mil assinaturas exigidas para avançar.
Ameaça com massacre
A população "ficou cansada de ter medo", manifestou-se, dezenas foram presos (até quem está só a ver) por agentes à paisana, levados em intermináveis passeios dentro de veículos militares, acusados de participação em manifestações ilegais, soltos passados 15 dias e multados.
O mais recente aviso de Lukashenko: a "ameaça de abrir o fogo no dia 9" sobre quem contestar uma eleição certa. Sobre quem "sabotar" o ato eleitoral. E acena com o massacre de 2005 em Andijan, na também ex-república soviética do Uzbequistão, como exemplo da repressão necessária contra opositores. Os amigos de Olga "estão preparados para o pior".
A vitória está garantida porque é "tudo falsificado" e "ele já disse que ia ter 76%", assegura Olga. Mas, este ano, com uma nuance. Além de opositores fantoches, Lukashenko tem, desde o dia 14 de julho, de enfrentar Svetlana Tikhanovskaya. Nada menos do que a improvável mulher de Tsikhanovski, sem dotes políticos ou de tribuna mas capaz de juntar as equipas de Tsepkalo e Babarika na candidatura aprovada porque "a Constituição na Bielorrússia não é apropriada para uma mulher" (Lukashenko dixit).
"Ele sabe que se não houver outros candidatos, ninguém vai votar. E ele quer essa imagem". Quem não quer a imagem de Lukashenko a representá-la é Olga. "Os bielorrussos são muito educados e cultos". E ele manda-os beber vodca contra a "psicose" do coronavírus.