Há uma década, ocorriam no Brasil as "jornadas de junho", protestos que eclodiram contra o aumento do preço dos transportes públicos e que reuniram pessoas de todo o espectro político. O sentimento de revolta seria capturado pela extrema-direita num um ponto de viragem na política brasileira.
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Os protestos contra o aumento do preço dos transportes públicos ocorriam desde 2012 em várias capitais. No dia 6 de junho de 2013, a manifestação convocada pelo pouco expressivo Movimento Passe Livre reuniu duas mil pessoas em São Paulo, incluindo utilizadores da tática "black bloc", com máscaras e roupas escuras, que praticaram vandalismo. A Polícia reagiu com o uso de gás lacrimogéneo e balas de borracha.
Nas seguintes manifestações, a repressão policial aumentou, culminando nos atos de 13 de junho, em que cerca de cinco mil pessoas participaram em São Paulo. Aquela quinta-feira foi marcada pela violência das forças de segurança, que feriram mais de cem - 17 destes profissionais da Imprensa, incluindo um fotógrafo que perdeu um olho - e prenderam mais de 230.
A atuação policial fez com que mais pessoas fossem às ruas, os média começaram a cobrir mais favoravelmente e a causa original acabou por englobar uma amálgama de insatisfações, com a participação de todo o espectro político, disse ao JN Ana Paula Costa, investigadora no Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI). "As manifestações de junho de 2013 reuniram várias bandeiras e uma diversidade muito grande de participantes, com orientações de Esquerda, Direita e dos extremos, embora esse sentimento "antiesquerda" que ficou mais forte nos anos seguintes estivesse presente", apontou a também vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa.
A 17 de junho, em plena Taça das Confederações, manifestantes invadiram a Praça dos Três Poderes e ficaram no telhado do Congresso Nacional. Seria no dia 20 de junho, no entanto, que ocorreria a maior participação, quando mais de 1,2 milhão de pessoas em mais de cem cidades protestaram. Um dia depois, Dilma Rousseff fez um pronunciamento, em que disse ser favorável às reivindicações, criticando o vandalismo e apoiando a realização do contestado Mundial de 2014. A presidente teria reuniões com governadores e autarcas para criar um plano de mobilidade urbana e um pacto para a melhora dos serviços públicos. Dilma propôs ainda uma Constituinte para uma reforma política, que não avançou.
PRESENÇA DE EXTREMISTAS
"A extrema-direita aproveitou-se da insatisfação e desconfiança política para captar pessoas sob a lógica antissistema e antielite política, e posteriormente, lançar candidatos que diziam estar fora da política tradicional", afirmou Costa. A investigadora do IPRI apontou ainda que a "tentativa de fazer justiça social também gerou incómodo nas classes mais altas", citando o "Bolsa Família", "a democratização das universidades e as políticas afirmativas". Dilma sobreviveria às renhidas eleições de 2014, em que "a Direita e seus simpatizantes não aceitaram a derrota e contestaram a credibilidade do sistema eleitoral". No segundo mandato, a crise económica, o crescimento dos protestos de Direita e a ascensão da Operação Lava-Jato derrubariam o capital político da presidente, que seria impedida em 2016.
Em resultado da Lava-Jato, seria preso, em 2018, o ex-presidente Lula da Silva, que planeava concorrer e era favorito nas sondagens das presidenciais daquele ano, vencidas por Jair Bolsonaro. O deputado federal e ex-capitão do Exército, "inicialmente, colocou-se como antipetista (e antiesquerdista) e como antissistema", relembrou a investigadora. "O bolsonarismo já estava nas ruas em 2013 e antes de 2013, pois essa parcela de apoiantes da ditadura militar e que querem os privilégios de classe e etnia sempre existiu no Brasil", constatou Costa, que concluiu que "junho de 2013 foi, sobretudo, um movimento de contestação social onde a polarização do Brasil se apresentou de uma forma ainda tímida e nos anos seguintes aumentou".
Lisboa
Centenas participaram num ato de apoio às manifestações, no Largo de Camões, a 18 de junho. Entre os cartazes, lia-se "O Gigante acordou" e "Afasta de mim este cale-se".
Porto
A 19 de junho, o JN noticiava centenas de brasileiros que protestaram na Avenida dos Aliados, no dia anterior.