O grupo de homens que orbita a esfera política de Vladimir Putin, e onde se encontram os principais oficiais de segurança russos, é o mesmo que se senta à mesa do líder russo na hora de tomar decisões importantes sobre questões fraturantes como é a relação cada vez mais inflamada com a Ucrânia.
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As posições manifestadas pelos "radicais conservadores" que formam o círculo íntimo de Putin em opiniões publicadas recorrentemente pela imprensa russa, assumidamente pressionada por Moscovo, são ainda mais reacionárias do que as do próprio homem-forte do país.
A descrição incisiva transcrita entre aspas pertence a Konstantin Remchukov, chefe de um jornal de Moscovo com ligações ao Kremlin, que expõe uma tentativa coletiva por parte da elite de segurança russa "de formar uma contra-ideologia" com base numa visão do mundo "conservadora e reacionária", já que Putin, que posiciona "num centro conservador", "não tem ideologia". "A ideia-chave é que todos estão contra a Rússia", disse o jornalista.
Não é fácil saber quem é que Putin mais ouve quando considera os passos a seguir, mas há um facto inegável: a intensificação do combate que o Kremlin tem vindo a travar contra aqueles que considera inimigos, seja além-fronteiras (como a Ucrânia, os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia) ou dentro de casa (recorde-se o exemplo do opositor russo Alexei Navalny, preso há mais de um ano). Tudo isso faz parte de uma narrativa que veste a pele de lobo-mau a quem desafia o país. E assim se constrói a imagem de um Ocidente mau e transgressor de onde nada de bom pode vir e de uma Ucrânia que ameaça a grandeza da Rússia, que ao espelho se vê como baluarte de valores tradicionais e bons costumes.
Os três "falcões" que gravitam em torno de Putin
O "The New York Times" - que estabelece um paralelismo entre a ascensão das autoridades de segurança na órbita do presidente e a evolução de um jovem Putin que piscava o olho ao Ocidente no início dos anos 2000 para um implacável líder que ameaça o Mundo com um conflito armado - nomeia três grandes "falcões" que compõem o núcleo duro do chefe de Estado russo.
São três homens, nascidos na União Soviética da década de 1950 e ex-colegas de Putin na KGB (o serviço de inteligência da URSS). Ocupam os cargos mais importantes no governo e têm posições mais extremistas do que as do próprio Putin. Sobre eles, recaem acusações ocidentais relacionadas com grandes operações de guerra, de serviços secretos e espionagem cibernética que ajudaram a afastar o Kremlin da Europa e dos Estados Unidos. E são autores de afirmações ora contestáveis, ora mesmo meramente propagandistas. Um cheirinho das mais recentes: disseram que o Ocidente está a legalizar o casamento entre pessoas e animais, que os líderes da Ucrânia são tão perigosos como Hitler e que os nacionalistas do país não são humanos.
Sergei Naryshkin, chefe do Serviço de Inteligência Estrangeira
Aos 67 anos, Sergei Naryshkin ocupa o cargo de chefe do Serviço de Inteligência Estrangeira. Depois de uma longa carreira no comando de diferentes agências estatais, aceitou o pedido de Putin para defender a História do país (ou, pelo menos, a narrativa histórica que o país quer exaltar), tarefa que tem desempenhado com unhas e dentes. Em várias ocasiões, mostrou-se um forte defensor dos valores tradicionais russos e contra o Ocidente.
Sobre as suspeitas em torno do seu papel no envenenamento de Navalny, em 2020, que negou categoricamente, Naryshkin acusou mesmo o Ocidente de engendrar uma manobra para derrubar o governo de Putin, "sacrificando uma vítima" pelo caminho. Já perante o atual confito iminente, enquanto inaugurava na semana passada uma exposição intitulada "Abusos dos Direitos Humanos na Ucrânia", comparou o poder ucraniano com "os piores anos da ocupação de Hitler", descrevendo o governo pró-ocidental de Kiev como uma "verdadeira ditadura".
Nikolai Patrushev, principal conselheiro da Segurança Nacional
Atual chefe da Segurança Nacional e ex-diretor do FSB (que sucedeu ao KGB), Nikolai Patrushev é outro dos "falcões" do ambiente mais próximo do líder russo. O perfil assemelha-se ao de Naryshkin: há um mês, disse que a "russofobia" na Ucrânia é o resultado de uma campanha de propaganda ocidental que vem desde o século XVI. O correspondente de Moscovo no "New York Times" vê como notável a influência de Patrushev nas decisões de Putin, considerando que pode ter um papel fundamental na decisão de invadir a Ucrânia.
Ávido defensor dos costumes tradicionais, rejeita tudo o que considera serem doutrinas do Ocidente que colidem com o conservadorismo russo. "O colapso da União Soviética libertou a elite neoliberal e permitiu-lhe impor os seus valores não tradicionais ao mundo. Pais e mães estão a ser renomeados como pai número 1 e pai número 2. Eles [ocidentais] querem dar às crianças o direito de determinarem o próprio sexo e, em alguns lugares, chegaram ao ponto de legalizar o casamento entre humanos e animais".
Sergei K. Shoigu, ministro da Defensa desde 2012
O último alto oficial a influenciar significativamente as decisões do líder do Kremlin é Sergei K. Shoigu, ministro da Defesa desde 2012. Levou ao extremo a defesa de um maior envolvimento do Estado na economia e aproveitou o aumento dos gastos públicos no país para criar novas cidades na Sibéria. Partilha a visão de Putin de que o colapso da União Soviética foi "uma catástrofe geopolítica" e este é precisamente um dos fatores que mais podem afetar a tomada de decisões: o de tentar recuperar o passado glorioso de uma URSS imperialista, anexando a Ucrânia e desafiando a segurança internacional. No mês passado, chamou os nacionalistas ucranianos de "não-humanos".
Rússia - Ucrânia
Em que ponto estamos?
Os Estados Unidos e a NATO, no corredor diplomático entre a Rússia e a Ucrânia, enviaram ao Kremlin, na semana passada, declarações escritas em que respondiam às exigências e preocupações de segurança expressas por Moscovo. Do lado norte-americano, a mensagem foi clara: os EUA estão prontos para debater questões de controlo de armamento e reforço da confiança de forma a evitar uma escalada militar, mas a batata quente está nas mãos da Rússia. "Estamos preparados para ambas as opções (guerra ou paz)", disse o chefe da diplomacia norte-americana.
O Kremlin disse não ter visto abordados os pontos mais prementes. E, nesta terça-feira, Vladimir Putin, que falou publicamente pela primeira vez desde dezembro, sugeriu que uma eventual entrada da Ucrânia na NATO poderá levar a uma guerra pelo controlo da península da Crimeia: "Vamos imaginar que a Ucrânia, como país da NATO, inicia esta operação militar. Nós lutamos contra a NATO? Alguém já pensou nisso? Parece que não."
A esperança de que o início de uma guerra com a Ucrânia se fique pela histeria internacional é depositada na veia pragmática que alguns analistas reconhecem em Putin. Esperam que o presidente russo pese a paranóia promovida pelos confidentes com a opinião mais moderada de figuras como o primeiro-ministro russo, Mikhail Mishustin, um tecnocrata encarregado de manter a economia a funcionar.
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