Olena andou um dia inteiro a pé para fugir, Sofia tem seis anos e a sua cara tem medo. Yvona só não chora quando está a trabalhar
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Agora os céus demorarão a florescer e as mães terão que criar os filhos com sussurros. Este é um tipo totalmente diferente de refugiado: são só mulheres ou crianças e fugiram sozinhas. Têm medo de tudo. Chegam e sentam-se mudas nos seus casacos descombinados, a maioria delas chega sem malas, e ficam paradas em desorientação. Têm uma resignação assustada, estão incrédulas, estão permanentemente abatidas na precisão do seu stress facial e nunca ninguém as viu maquilhadas. As crianças têm caras de medo, não querem brincar, não querem largar as mães, estão sempre silenciosas, e as mães têm os olhos tão vazios...
Ali é o Global Expo Center, Varsóvia, Polónia, um centro de feiras e congressos transmudado em centro de refugiados da guerra da Rússia sobre a Ucrânia. Abriu há duas semanas para acolher quatro mil exilados e já acolheu 25 mil. Não há sempre silêncio, ali, às vezes há algazarra e precipitação - como quando é hora de comer, ou quando passam crianças romenas ciganas a correr e correm sempre a zoar - vieram da Roménia, mas a Roménia não tem guerra, e os romenos lutam por alguém que os queira acolher.
O refúgio não é o seu futuro, é um presente temporário embrulhado: chegam, inscrevem-se, recebem uma pulseira de papel, tomam banho, comem, têm onde dormir, têm de que vestir e em 2-3 dias abalam para o novo país onde vão viver.
A tentar encurralar o tempo contra a parede, Yvona, voluntária polaca que tem a cara ruborescida e demasiadas coisas ao mesmo tempo para fazer, explica por que está ali - está por eles, mas também por si: "Quando vejo isto na televisão estou sempre a chorar, não consigo parar. Quando estou aqui no Centro a trabalhar, a ajudar, paro logo de chorar. Por isso, é simples, não é?, é aqui que tenho que estar".
Olena vive sozinha, chegou sozinha, não trouxe nada. Tem 46 anos mas a guerra vira tudo ao contrário: ela parece ter 64. Saiu no domingo de Lyuboml, sua Ucrânia natal, e demorou mais de um dia até Lublin, Polónia, onde entrou já era madrugada. Foi tempo de mais: a distância é de 90 kms. Olena, que olha sempre para o chão, mesmo se está a falar, explica porquê: sem dinheiro, sem documentos, sem ninguém, fez o trajeto todo sem saber como, sempre a pé. Quando chegou estava à beira de desmaiar. Esta terça-feira começará uma viagem de autocarro de três dias que a vai deixar na Maia, Portugal, uma cidade e um país que nunca conheceu.
São 26 mulheres, 24 crianças e três homens os ucranianos que a Maia vai receber.
É para onde irão Valentina, avó, Sofia, neta, e a sua mãe, também Olena. Estávamos os quatro a falar com a ajuda da ucraniana Larysa Yurchenko, humanitarista e tradutora trazida pela Câmara da Maia, quando as duas mulheres desatam a chorar. Foi só porque disseram o nome da terra, a sua, a de sempre, que deixaram para trás: Żytomierz, lado leste da Ucrânia, a 180 kms da capital Kiev. A cidade foi bombardeada nos arredores, elas ficaram dez dias metidas num bunker de um jardim infantil, sem luz, sem água corrente, sem aquecimento, nos primeiros dias sem comer, aterradas em pânico, com fobia, a tremer de terror.
Na terça-feira é o 20.º dia da guerra e a guerra já forçou 2,8 milhões de ucranianos a fugir, diz a Organização Internacional para as Migrações. Mais da metade evadiu-se para a Polónia, 1,6 milhões de exilados, diz a agência da Guarda de Fronteiras do país. Carregada, a Polónia continua a dar passos pródigos: o Parlamento aprovou esta semana uma lei que dá aos polacos 40 zlotys por dia (8,40€) por cada refugiado acolhido em casas particulares. O novo pacote legislativo também dá ajuda financeira e seguro de saúde aos ucranianos.