
O mapa das chamadas "agências de serviço policial", segundo o relatório da Safeguard Defenders
Safeguard Defenders
A Iniciativa Liberal questionou o Governo, na quinta-feira, sobre a alegada existência de esquadras de polícia informais da China em três localidades portuguesas. A informação tem por base um relatório da Safeguard Defenders, uma organização não governamental com sede em Madrid, que identificou três "police service stations", em Portugal, no Porto, em Lisboa e na Madeira.
Corpo do artigo
As autoridades chinesas dizem que 230 mil chineses foram "persuadidos a regressar" à China para responderem por acusações criminais entre abril de 2021 e julho de 2023. A campanha, iniciada em 2018 de forma discreta, assenta nas chamadas "agências de serviço policial" em 25 países nos cinco continentes, Portugal incluído, que nasceram com o intuito de combater os chamados crimes de telecomunicações perpetrados por expatriados contra residentes na China.
15212324
"O número de casos de fraude de telecomunicações contra residentes chineses diminuiu significativamente na China, com 230 mil suspeitos de fraude a serem instruídos e persuadidos a regressar à China e a confessar os crimes, entre abril de 2021 e julho de 2022", disse o vice-ministro da Segurança Pública, Du Hangwei, numa comunicação em abril de 2022, citado pela Safeguard.
Segundo a investigação da Safeguard Defenders, há três dessas esquadras em Portugal: uma em Vila do Conde, na zona industrial onde está instalada, há muitos anos, uma grande comunidade chinesa, outra em Lisboa e uma terceira na ilha da Madeira. As esquadras, também conhecidas como "110 no Estrangeiro", em referência ao número de emergência policial na China, (o 110 é o equivalente ao 112 em Portugal) têm um papel fulcral na deteção de chineses acusados ou suspeitos de crimes e a viver fora de portas.
Investigação identificou 54 agências em 30 países
Um relatório da Safeguard Defenders, intitulado "110 no Estrangeiro - Policiamento transnacional chinês levado ao limite" identificou 54 dessas esquadras, em 30 países diferentes. As "police service stations" são supervisionadas por departamentos policiais de Fuzhu e Qingtian, ambos com ramificações em Portugal.
Segundo aquela ONG, que tem por base uma formação anterior, a China Action, as agências de serviço do Porto e da Madeira são supervisionadas pela polícia de Fuzhu, enquanto a de Lisboa está sob a jurisdição das autoridades policiais de Qingtian. De acordo com documentos oficiais consultados pela Safeguard, pelo menos mais 10 províncias foram mandatadas para estabelecer operações similares fora de portas.
A investigação, publicada há 15 dias, conta dois casos, um em Belgrado, na Sérvia, e outro em Madrid, em Espanha, que ilustram a forma de trabalhar destas esquadras.
15210385
Um dos exemplos citados pela Safeguard é o de um homem de apelido Liu, originário de Qingtian, na província de Zhejiang. Procurado por suspeitas de crime ambiental, foi persuadido a regressar à China para enfrentar as acusações a 14 de janeiro de 2020.
Segundo o relatório, Liu foi abordado em Espanha e convencido pelos funcionários da Associação Nacional de Qingtian em Espanha (ANQE) e da Federação Chinesa no Estrangeiro (COCF, na sigla em inglês por que é conhecida). Um vídeo obtido pela Safeguard mostra uma audição conjunta entre elementos da Polícia de Qingtian e da Esquadra de Serviço de Qiao, em Madrid, na qual Liu é ouvido, na presença, ainda, de uma familiar. A mulher, sentada ao lado dos oficiais chineses, tinham uma placa que a identificava como "representante familiar".
"Batalha dos 100 dias" começou em 2018. E continua
Este tipo de esquadras começou em 2018, como um projeto-piloto do condado de Anxi, lançado como "a batalha dos 100 dias", que, segundo a Safeguard, tem crescido nos últimos anos, chegando a cinco continentes. Um dos casos mais antigos "de sucesso" desta política aconteceu na Sérvia, revela aquela organização.
Em 2018, no inícios deste projeto, um chinês de apelido Xia, a residir em Belgrado, na Sérvia, foi persuadido a regressar à China. Acusado de roubo, foi localizado pela "esquadra de serviço" da capital sérvia, dirigida pela polícia do condado de Qingtian, revela a Safeguard.
Segundo um relatório oficial, Xia não tinha vontade de regressar voluntariamente à China, mas após uma semana de conversações com a polícia chinesa e a "esquadra de serviço" na Sérvia, que incluiu conversas em vídeo e áudio através do WeChat, o WhatsApp chinês, o homem aceitou regressar ao país natal, de "motu proprio", para responder pelas acusações.
Segundo a Safeguard, inúmeros documentos oficiais especificam que familiares de expatriados que se recusem a ajudar a polícia na "persuasão" dos suspeitos podem ser punidos na China. Entre os castigos comuns, está a exclusão dos filhos do sistema de ensino, e a ameaça de serem considerados cúmplices caso o suspeito não aceite regressar para responder perante as acusações.
Estas operações, consideradas ilegais, são conduzidas em canais alternativos, ao "lado dos acordos de cooperação judicial entre países e violam o direito internacional, podendo também violar a integridade territorial de países terceiros", alerta a Safeguard.
Outro dos pontos desta política, relata o relatório "110 no Estrangeiro", versa sobre países proibidos aos chineses. São nove, oito na Ásia e um na Europa, a Turquia. Os chineses que vivem e trabalham nestas nações são convidados a regressar incondicionalmente a casa, por estarem a viver em estados considerados fraudulentos. Num dos casos contados no relatório, uma cidadã foi informada que se não voltasse à China as autoridades cortariam o abastecimento de água e de eletricidade à casa da mãe, a viver numa província chinesa.
Segundo a Safeguard, num dos casos, a casa da mãe de uma mulher a residir num dos países suspeitos de fraude de comunicações foi pintada com as palavras "Casa de fraude de telecomunicações". A mãe da suspeita foi chamada a um comité local e convidada a persuadir a filha a voltar, a 31 de maio. A ONG perdeu o rato à mulher, desconhecendo o que lhe aconteceu entretanto.
O relatório, cita uma notícia do "Diário do Povo", um jornal oficial chinês, que sublinha um documento conjunto da procuradoria da Federação Chinesa no Estrangeiro e da Procuradoria Popular da Provincia de Fujiam com opiniões para o reforço do programa.
