É uma frase feita dizer que em cada lugar do Mundo há um português. Na hora do combate ao vírus que mudou a face do planeta, o JN deu um salto por WhatsApp aos Estados Unidos da América, ao Brasil, a Angola e a Macau, para tentar descobrir como estão a lidar com esta situação alguns cidadãos lusos que vivem nessas zonas do globo.
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Gabriel Marques, no epicentro do surto em Nova Iorque, Tiago Pinho, numa metrópole de um Brasil que não está preparado para ficar em casa, Luís Camarinha, surpreendido com a resposta de Luanda à crise sanitária, e Pedro Freitas, com a vida quase de volta ao normal no território administrado pela China, são apenas quatro exemplos de portugueses a quem o coronavírus mudou o dia a dia.
Estamos mesmo no epicentro do surto
Estados Unidos: Cidade de New Rochelle, condado de Westchester, estado de Nova Iorque. É lá que vive uma das comunidades de portugueses radicados nos EUA, nascida há mais de 100 anos. Gabriel Marques é conselheiro da comunidade e rapidamente acede ao pedido para falar com o JN.
"Ficámos todos surpreendidos porque estamos mesmo no epicentro do vírus. O consulado português está a fazer um esforço incrível para ajudar os cidadãos com maiores dificuldades. Eu vivo noutra cidade, em Mineola, no condado de Nassau, na região de Long Island. Trabalho com uma equipa de 15 pessoas e ainda não parei um dia em casa", diz o lusodescendente, de 36 anos, professor universitário de Economia, em part-time.
Economia. Bem a propósito. É dado adquirido que Donald Trump, presidente dos EUA, prioriza a parte económica em detrimento de tudo o resto. "Há uma batalha entre o Governo federal e o estadual. Trump quer puxar pela economia, mas alguns estados tentam travá-lo, como o nosso. O que era uma luta de saúde passou também a ser política", refere Gabriel, mais preocupado com o que pode fazer para ajudar a região de Nova Iorque, a mais afetada pela pandemia nos EUA.
"A nossa comunidade portuguesa é um grande orgulho. Há dezenas de pessoas que trabalham em medicina e enfermagem, todas envolvidas nesta luta contra o vírus. Temos de agradecer também aos restaurantes e supermercados de portugueses, que sempre estiveram abertos e oferecem comida a quem não tem recursos. As pessoas continuam a querer ajudar. Quem é que consegue viver sem bacalhau, não é?", questiona.
Obrigadas pelas autoridades estaduais a ficar em casa até 15 de maio, pelo menos, "as pessoas estão tristes". "Muitas queriam ir a Portugal, mas os voos estão cancelados. Eu também ia esta semana. Não pode ser. Talvez vá em setembro ou em outubro".
Medidas
Estado de calamidade declarado em todo o país, pela primeira vez na história dos EUA
Restrições à entrada de cidadãos estrangeiros
Confinamento obrigatório e encerramento de atividades não essenciais
Muitos brasileiros não vão aguentar
Brasil: Foi em 2013 que Tiago Pinho, engenheiro de formação, de 42 anos, saiu de Vale de Cambra para abrir em São Paulo uma empresa de produção de máquinas para a indústria alimentar e de bebidas. Estava longe de imaginar o que ia viver em 2020, que devia ser de prosperidade no Brasil.
"Previa-se um ano bom, com crescimento económico. As coisas estavam bastante animadas, com muitos projetos", conta ao JN, resignado a um dia a dia diferente: "Tínhamos obras em andamento, que não pararam, embora com um contingente reduzido de trabalhadores. A nível pessoal, tenho condições financeiras e posso trabalhar em casa, fazer orçamentos, etc. Mantive o salário habitual, mas há outras realidades".
E são essas realidades que deixam Tiago Pinho apreensivo em relação ao Brasil. "Há muita gente que vive do sustento que ganha no próprio dia, em negócios de rua. Muitos brasileiros não vão aguentar. Sabem que não devem ir para a rua, mas não vão ficar em casa a ver os filhos morrer de fome", sublinha, conhecedor de outras características de um povo pouco habituado a estar em casa: "Aqui, ninguém está preparado para ficar fechado na residência. As pessoas são muito comunicativas, fazem churrascos ao fim de semana, vivem muito do convívio".
Casado e com um filho de três anos, a rotina de Tiago mudou. "O meu filho dorme mais do que dormia. Eu já não estou uma hora no trânsito de São Paulo para levá-lo à escola. Tentamos entretê-lo, mesmo estando a trabalhar em casa. Tenho a sorte de ter um jardim, mas claro que estamos todos stressados com isto. Nas próximas semanas, pelo menos, não vai haver outra forma de viver", refere , revelando que o confinamento serve para ter um contacto mais frequente com a família que ficou em Portugal: "Ligava aos meus pais geralmente só aos domingos, mas agora temos falado sempre três ou quatro vezes por semana".
Medidas
Isolamento e contenção social em todos os estados brasileiros
Isolamento domiciliário durante sete dias de todos os cidadãos que entrem no Brasil
Cancelamento de eventos públicos
Sentimento misto de receio e conforto
Angola: Gestor de IT numa das maiores empresas de informática de Angola, Luís Camarinha, portuense de 44 anos, está a trabalhar em Luanda desde 2017 e é com agrado que tem visto a forma como o país está a reagir ao coronavírus. "Angola tomou providências muito cedo. Vejo as ruas vazias, com o exército e a polícia a fazer cumprir o Estado de Emergência", descreve, ao JN, com um exemplo curioso do que se está a passar.
"Os angolanos têm o hábito de vir para a porta das casas ao fim da tarde, beber uma cerveja e contar umas anedotas. Na semana passada, vi três motas com polícias armados até aos dentes, que pararam e encheram uma carrinha de caixa aberta com pessoas que estavam a conviver na rua e levaram-nas para a quarentena", conta, satisfeito com o baixo número de infetados em Angola: "Entre os portugueses, há um sentimento misto de receio, pelo facto de as fronteiras estarem fechadas, e de conforto. Eu sinto-me seguro. Já disse à minha mãe e aos meus filhos que, se a coisa apertar em Portugal, têm de vir para cá".
Quanto à empresa em que trabalha, está a funcionar a 30%. "Temos nove lojas e só três estão abertas. A faturação vai cair na mesma proporção. Para ir trabalhar, preciso de estar munido de uma declaração da entidade sanitária, sob pena de ir para quarentena domiciliária, numa primeira advertência, e quarentena institucional, caso a desobediência persista", conta.
Os bens essenciais não têm faltado em Luanda, mas Luís Camarinha adivinha um futuro difícil. "Estamos a falar de um país que, antes desta pandemia, tinha 70% de desempregados. Claro que há ainda mais gente a ficar sem emprego e que a criminalidade vai subir", afirma, destacando o "aumento brusco" dos preços dos produtos: "No outro dia, comprei um quilo de manteiga com sal por 55 euros... Uma cerveja nacional custava 160 kwanzas [25 cêntimos] e agora custa 400 [60 cêntimos]".
Medidas
Estado de emergência decretado a 27 de março e prorrogado a 11 de abril
Fecho de fronteiras e suspensão das aulas
Novas regras nos ministérios e organismos estatais.
Proibição de aglomerações públicas
O Governo só encerrou os casinos 15 dias
Macau: Foi na China que o vírus apareceu no final do ano passado e em janeiro já o portuense Pedro Freitas, de 37 anos, estava fechado em casa em Macau. Consultor jurídico do Galaxy Entertainment Group, que detém um dos maiores casinos locais, vive há quase 10 anos no território administrado por Portugal até 1999 e contou ao JN como as autoridades macaenses conseguiram controlar o vírus, a ponto de hoje a situação estar muito mais normalizada.
"Macau enfrentou a epidemia SARS em 2003 e, em parte por causa disso, a ameaça apresentada pela covid-19 foi combatida com medidas eficazes e imediatas. A população cumpriu escrupulosamente essas medidas e demonstrou consciência de que não estávamos em altura de hesitações", afirma, revelando que só esteve em casa "uma semana" e que "os casinos foram encerrados pelo Governo durante 15 dias".
"Em finais de março , a situação sofreu um novo revés, pois a China continental implementou medidas de quarentena de 14 dias para quem viesse das regiões administrativas especiais de Macau, Hong Kong, esta com a situação bastante mais complicada do que em Macau, e Taiwan. Como imagina, nenhum jogador quereria enfrentar essa consequência depois de uma viagem a Macau e a esmagadora maioria dos jogadores são provenientes da China continental. Mas o casino já está aberto outra vez", acrescenta Pedro Freitas, que emigrou há quase dez anos para uma zona do globo muito mais habituada a lidar com situações deste género do que a Europa e o resto do Mundo.
"Macau não regista novos casos há mais de uma semana, sendo que a maior parte da última vaga reporta-se a casos importados diagnosticados à entrada do território ou já em quarentena", sublinha, sem esquecer a eficácia das "medidas fiscais e de apoio económico para residentes e empresas", que já estão em "fase de execução".
Medidas
Quarentena de 14 dias a quem entra no território vindo de países de risco
Escolas fechadas, iniciando-se esta semana a reabertura faseada
Uso obrigatório de máscaras nos transportes públicos