O novo manual de História adotado, esta sexta-feira, nas escolas russas, ensina que a Ucrânia tem autoridades neonazis, que a Rússia é vítima de um bloqueio económico ocidental e que a invasão foi uma questão de sobrevivência.
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Trata-se da inclusão no currículo escolar da guerra desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia a 24 de fevereiro de 2022, que Moscovo designa como um "operação militar especial".
Um dos autores, o antigo ministro da Cultura e conselheiro presidencial Vladimir Medinsky, disse que seria "uma aberração" não incluir no manual a campanha militar iniciada há pouco mais de 18 meses.
Para isso, foi reduzido o espaço dedicado a outras matérias, o que provocou críticas de especialistas, que consideram que o manual não recorre a fontes históricas e apenas repete a propaganda do Kremlin (Presidência).
Os alunos dos dois últimos anos do ensino secundário (16-18 anos), que iniciaram hoje as aulas, terão de aprender o capítulo intitulado "A Rússia de hoje. Operação militar especial", segundo a agência espanhola EFE.
O manual inclui um mapa da Rússia com as regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia, anexadas há um ano, embora o exército russo não as controle na totalidade.
A península ucraniana da Crimeia já tinha sido anexada em 2014.
Autores acusam Ocidente de "russofobia"
Os autores acusam o Ocidente de promover a "russofobia" e a eclosão de revoluções no espaço pós-soviético para conseguir a desintegração da Federação Russa e o controlo dos recursos do país.
O "principal aríete" dessa política seria a Ucrânia, onde, desde o colapso da União Soviética em 1991, toda uma geração foi educada para odiar a Rússia e apoiar "ideias neonazis", de acordo com a imprensa local.
"A Ucrânia é um Estado ultranacionalista", onde a dissidência é perseguida e "tudo o que é russo" é considerado hostil, afirmam os autores no manual. Também é referido que a invasão da Ucrânia uniu os russos e criou um verdadeiro culto dos heróis do conflito.
Ensina-se ainda que a Ucrânia utiliza civis como "escudos humanos" e que o exército russo recebeu ordens para nunca disparar contra zonas povoadas. "Tire as suas próprias conclusões sobre as novas táticas militares da Ucrânia", sugerem os autores aos alunos.
"O livro esconde a verdade"
Para a Amnistia Internacional (AI), o novo manual de História "é uma tentativa flagrante e ilegítima de doutrinação nas escolas da Rússia e dos territórios da Ucrânia ocupados pela Rússia".
"O livro esconde a verdade", denunciou Anna Wright, investigadora da AI para a Europa Oriental e Ásia Central, citada num comunicado da organização.
Wright disse que o manual também "distorce os factos sobre as graves violações dos direitos humanos e os crimes de direito internacional cometidos pelas forças russas contra o povo da Ucrânia".
Para a AI, a Rússia, na qualidade de potência ocupante de áreas ucranianas, está obrigada a cumprir o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e na Convenção sobre os Direitos da Criança.
Moscovo deve "respeitar, proteger e cumprir o direito à educação e não o violar doutrinando os estudantes com propaganda", disse.
"A doutrinação das crianças (...) é uma tentativa cínica de erradicar a cultura, o património e a identidade ucranianos, bem como uma violação do seu direito à educação", afirmou Wright.