"Raça inferior" castigada por falar a sua língua: indígenas suecos revelam passado doloroso
Após séculos de perseguição, o povo indígena Sami, da Suécia, está a começar a testemunhar sobre as injustiças que sofreu numa "Comissão da Verdade", que investiga as políticas discriminatórias do país e as suas consequências. Desde fevereiro que os especialistas colhem vários relatos dolorosos de Samis, anteriormente conhecidos pelo termo pejorativo "Lapões".
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Existem cerca de 100 mil pessoas Sami em todo o vasto deserto ártico do norte da Finlândia, Noruega, Suécia e península de Cola, na Rússia. Vivem da caça, pesca e pastoreio de renas há milhares de anos e foram submetidos à colonização durante séculos.
Castigados por falar a língua materna
Como todos os filhos de criadores de renas Sami desde 1913, Nils-Henrik Sikku, um escritor agora com 72 anos, foi retirado da sua família aos sete anos e colocado à força num colégio interno administrado pelo estado. Nas "escolas nómadas", fundadas como parte de uma política destinada oficialmente a preservar os Sami, a educação era básica e, paradoxalmente, ministrada em sueco e não na língua Sami. As crianças eram castigadas se falassem na sua língua materna.
"Se fizéssemos algo errado, éramos castigados, podíamos ser espancados ou podiam tirar-nos as nossas roupas e deixar-nos sentados fora da escola até à manhã seguinte", contou Sikku, em entrevista à AFP. As condições severas levaram-no a fugir com os amigos numa noite gelada de inverno. "Corremos, não sei como conseguimos fazer isso", disse. "Mas tínhamos mais medo de voltar do que de continuar lá".
Os últimos colégios internos Sami fecharam em 1962, mas isso não pôs fim à longa e dolorosa história dos Sami. A perseguição aos Sami, único povo indígena da Europa, remonta ao século XVII, quando o Estado começou a colonizar e explorar as suas terras ricas em recursos. Foram brutalmente forçados a cristianizar-se e os esforços de assimilação intensificaram-se nos séculos XIX e XX à medida que a importância económica do extremo norte crescia.
"Raça inferior"
Estas políticas foram motivadas pelo surgimento de teorias sobre uma "raça sueca pura", levando à criação em 1922 do primeiro Instituto Estadual de Biologia Racial do Mundo em Uppsala. O diretor viajava regularmente para a Lapónia para recolher crânios, medir e fotografar Sami numa tentativa de provar que eram uma "raça inferior". "Não sabemos o que fizeram connosco. Mas ficámos nus na frente dos chamados médicos", contou Sikku.
Segundo Kerstin Calissendorff, presidente da Comissão da Verdade, "muitos destes erros que foram cometidos há muito tempo ainda se refletem nas famílias, na suas condições de vida ou nas suas relações com a sociedade sueca".
Um estudo recente revelou que a taxa de suicídio entre jovens pastores de renas era significativamente maior do que na população em geral. Os criadores de renas atuais, considerados os últimos guardiões da cultura Sami, veem o seu modo de vida tradicional ameaçado pelas alterações climáticas e conflitos com a indústria.
Enquanto as vizinhas Noruega e Finlândia devem apresentar as conclusões das suas próprias Comissões da Verdade ainda este ano, a Suécia deverá publicar seu relatório em 2025.