Jovem saudita de 18 anos viajou sozinha e foi intercetada na Tailândia. Foi salva da deportação pela intervenção de ONG e das Nações Unidas.
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Rahaf Mohammed al-Qunun, 18 anos e uma coragem infinita, fugiu. De "abusos físicos, emocionais e verbais" perpetrados pela família. De ameaças constantes de morte "pelas coisas mais triviais". Da clausura em casa durante seis meses porque cortou o cabelo, na Arábia Saudita machista onde a mulher é, ainda, um ser humano de segunda. De um casamento forçado em preparação.
Rahaf meteu-se sozinha num avião no Kuwait, chegou a Banguecoque, na Tailândia, pronta a meter-se noutro até à Austrália e foi detida pela Polícia de Imigração. Perante a quase certeza de ser deportada, barricou-se num quarto de hotel de trânsito, no aeroporto Suvarnabhumi, e publicou apelos no Twitter. Implorou ajuda da ONU. E foi salva. Está sob proteção do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados pelo menos durante cinco dias. Durante cindo dias, Rahaf pode respirar.
A saga de Rahaf é a personificação da luta pelos direitos vedados às mulheres sauditas por uma cultura que ignora os laços familiares. Garante a jovem que está impedida de estudar. De aprender a conduzir - uma benesse só em 2018 outorgada às mulheres no reino wahabita do príncipe herdeiro Mohamed bin Salman - o MBS que se fez arauto da pseudomodernização do regime, mas que mantém ativistas presas e viu a fotografia manchada pelo brutal assassínio por agentes sauditas do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, na Turquia.
"Vão matar-me"
Apanhada na fuga num país governado por uma junta militar sem grande cuidado com direitos humanos, Rahaf tinha a deportação para Riade marcada para ontem de manhã.
"Vão matar-me", avisou a jovem. Que só pede para estudar e trabalhar, que foi espancada pelo irmão porque não queria usar véu e recusar rezar. "Quero libertar-me e estudar e trabalhar no que quiser. Partilhei a minha história e as minhas fotos nas redes sociais e o meu pai está furioso com isso". À agência Reuters enviou outra gravação: "Os meus irmãos, a minha família e a embaixada saudita estão à minha espera no Kuwait. Vão matar-me". "Por favor, preciso de vocês todos. Estou a pedir ajuda à Humanidade".
A intervenção de ONG como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch valeram a Rahaf poder ficar na Tailândia sob alçada da ONU, enquanto o ACNUR avalia o seu caso. "A Tailândia é a terra dos sorrisos. Não vamos mandar ninguém para a morte", resumiria, ao anunciar a suspensão da deportação, o responsável da Polícia de Imigração tailandesa, Surachate Hakparn.
Da Austrália com que sonha veio também o pedido de garantias ao ACNUR e a Banguecoque de que será concedido à jovem mulher saudita o acesso ao pedido de estatuto de refugiada. A esperança agora é a de que Rahaf tenha uma sorte diferente de Dina Ali Lasloom. Saudita como ela, fugida da família como ela, foi intercetada em abril de 2017 em Manila, nas Filipinas, e devolvida aos pais. Nunca mais ninguém soube dela.
TUTELA MASCULINA
A fuga por um país mais permissivo
O Kuwait permite que uma mulher viaje sozinha de avião, sem a anuência de um homem, pelo que Rahaf aproveitou as férias com a família naquele país, pegou no passaporte e embarcou sozinha para a Tailândia. Na Arábia Saudita, está proibida de viajar ou até de pedir o passaporte sem a autorização de um tutor masculino. Rahaf violou a lei e pode ser julgada se regressar à Arábia Saudita.