Isaac Henriques, estudante moçambicano de 19 anos, sonha em viver sem medo do sol, mas o que o impede não é falta de protetor solar e sim o medo dos pais, que travam o tratamento da pigmentação da pele.
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"Um dia, quando ia à escola, encontrei um senhor que me disse que no dia 2 de junho passado devia ir ao Hospital Central de Nampula, porque estava a decorrer uma campanha de tratamento que estava a ser feito, iriam também distribuir chapéus, protetores solares e medicamentos para nós, albinos. Contei ao meu pai e ele disse que estava tudo bem", começa por recordar à Lusa o jovem estudante da 11.ª classe na Escola Secundária de Anchilo, a 17 quilómetros da cidade de Nampula, norte de Moçambique.
A esperança do Isaac durou pouco, pois no dia marcado para ir ao hospital foi surpreendido com um balde de água fria dado pelo pai, tomado pelo receio: "Não, não vale a pena, vão-te levar, vão-te roubar".
O pai de Isaac justificou a recusa com relatos de traficantes no hospital central, crime de rapto para extração de órgãos que afeta pessoas com albinismo um pouco por todo o país.
Com a voz trémula, Isaac recorda que o desejo era apenas receber tratamento, novamente adiado.
Isaac reside na comunidade de Niquite, nasceu com problemas de pigmentação de pele, contudo luta para receber o tratamento, que o pai recusa por recear que seja vítima de tráfico humano, caso vá ao hospital.
Ainda assim, Isaac não desistiu e procurou ajuda de um tio, prometendo pagar pelo transporte até ao hospital, esperança que igualmente caiu por terra: "O tio também recusou, com medo do meu pai".
Desde então, Isaac vive isolado, procura sempre que possível esconder-se do sol, que castiga a sua pele sensível. "Eu só queria ficar bem, como vejo os outros ficarem depois de receberem tratamento", desabafa.
"Verdadeira guerra com os pais"
Isaac não é o único na família a viver esta realidade. Os dois irmãos mais novos, também com albinismo, enfrentam igual proibição em casa.
A vice-delegada da Associação Amor à Vida, Márcia Bacar, assume que as dificuldades de Isaac são iguais a tantas outras em Nampula.
"Travamos uma verdadeira guerra com os pais e encarregados de educação. Muitos não permitem que os filhos com albinismo recebam tratamento por medo do tráfico ou por crenças antigas. Alguns chegam a manter os filhos em casa, como se estivessem presos", explica.
A situação é particularmente grave em distritos como Moma, naquela província de Nampula, onde persistem tabus e desinformação. "Mesmo com campanhas de sensibilização, muitos continuam renitentes", acrescenta Márcia Bacar.
Contudo, há casos que mostram que é possível vencer o medo, como o de Patrício Jorge, um jovem de 18 anos, também de Nampula, diagnosticado com cancro.
Portador de albinismo, também enfrentou resistência dos pais, mas decidiu procurar ajuda por conta própria. Na altura foi-lhe dito que corria risco de vida caso não fosse tratado. Há quase um mês que, com ajuda da organização espanhola África Direto, está a receber tratamento em Espanha, segundo Márcia Bacar.
Para muitos outros, a esperança renasce com a segunda fase da campanha de rastreio e tratamento de pessoas com albinismo, que decorre desde segunda-feira até ao dia 17 de outubro, no Hospital Central de Nampula. Organizada pela África Direto, prevê rastrear e tratar mais de 200 pacientes e também oferecer medicamentos, chapéus e protetores solares.
A iniciativa surge após 16 diagnósticos de cancro de pele detetados na primeira avaliação, em junho. "Se aparecer alguém e disser que me vai levar ao hospital, eu vou. Eu quero viver. Só isso", diz por seu turno Isaac, com os olhos em lágrimas, enquanto protege a cara do sol.
As pessoas com albinismo, condição genética hereditária que resulta na ausência parcial ou total de melanina, têm sido vítimas de perseguições, violência e discriminação, alimentado por mitos e superstições.
Dados de 2023 da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) indicam que, desde 2014, pelo menos 114 pessoas com albinismo desapareceram em Moçambique em circunstâncias não esclarecidas.