A Índia tem registado casos de doenças pulmonares, problemas de pele e até cancro nos operários de fábricas em Panipat, cidade que recicla um milhão de toneladas de resíduos têxteis por ano.
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Em Panipat, milhares de trabalhadores reciclam remessas de roupa da Europa, América do Norte e leste da Ásia, para depois serem reutilizadas em tapetes, mantas, lençóis e almofadas destinadas ao comércio internacional.
Dentro das fábricas de reciclagem da cidade, o ar está carregado de fiapos que se depositam sobre todas as superfícies. O manuseamento de roupas e tecidos libertam grandes quantidades de fragmentos que obrigam os trabalhadores a tapar o rosto para impedir que respirem as fibras.
Neerma Devi, trabalhadora de 27 anos citada pelo "The Guardian", afirma que a medida de proteção não faz muita diferença e que, no fim do seu turno, lhe dói o peito e tem irritações na pele. Em algumas noites chega mesmo a ficar sem fôlego.
Devi saiu da sua cidade rumo a Panipat, atraída pela promessa de um trabalho estável. Hoje, trabalha seis dias por semana, muitas vezes com os filhos pequenos ao lado, devido à falta de creches no local. A tosse persiste depois de sair da fábrica e as visitas ao médico tornaram-se parte da rotina.
"O médico diz-me que [a tosse] é por causa do pó que respiro todos os dias. Dá-me medicação, mas só faz efeito enquanto a tomo. Assim que paro, a tosse volta. Ele diz que devia deixar este trabalho, mas não tenho condições financeiras para isso", explica.
Estudos internacionais demonstram que a exposição prolongada a microfibras prejudica o bom funcionamento das vias aéreas, representando riscos sérios para o tecido pulmonar. A Universidade de Tecnologia de Sydney descobriu que os nano e microplásticos inalados podem penetrar profundamente no trato respiratório, contribuindo para o aparecimento de doenças como a asma, fibrose e doença pulmonar obstrutiva crónica.
O sogro de Devi, depois de anos a trabalhar numa das fábricas da cidade, sofre de doença pulmonar obstrutiva crónica avançada. Os danos pulmonares que apresenta são tão graves que até engolir alimentos causa engasgos ou dor. O marido, Kumar, que trabalha na mesma fábrica do pai, descreve o lugar como uma câmara fechada, quase sem ventilação. "Não há máscaras, nem qualquer tipo de proteção".
Muitos não chegam a ser diagnosticados
Um médico responsável pelo controlo da tuberculose na cidade, em comunicado ao "The Guardian", afirma que as doenças pulmonares são muito comuns. "A maioria dos pacientes que atendemos passou anos em fábricas têxteis. Inalam pó, fibras e produtos químicos todos os dias. As microfibras acumulam-se nos seus pulmões com a exposição contínua. Muitos nunca são diagnosticados, o que os torna muito vulneráveis não só a infeções, mas também a doenças crónicas".
Também um alto funcionário do departamento trabalhista de Haryana, estado indiano onde se localiza Panipat, realça que as condições dentro de muitas fábricas são perigosas. "O ambiente de trabalho é insuportável e é comum depararmo-nos com casos de problemas respiratórios, enxaquecas, infeções de pele e até cancro. A exposição prolongada a estas condições tem o seu preço, independentemente das proteções mínimas em vigor. A maioria dos proprietários não prioriza a segurança dos trabalhadores. Os riscos são ainda maiores nas unidades de branqueamento e tingimento, onde os trabalhadores manuseiam produtos químicos tóxicos, como ácido sulfúrico, com as próprias mãos."
No entanto, os perigos não se limitam aos trabalhadores das fábricas. Estima-se que 80% das águas residuais das cerca de 600 fábricas de tingimento da cidade, cerca de 200 ilegais, são lançadas diretamente para o meio ambiente, contaminando as águas.
Os dados oficiais registam mais de 80 pontos de descarga ao redor da cidade, que aumentam significativamente a carga tóxica do Rio Yamuna, que passa por Delhi, capital da Índia.
Em abril, testes realizados pelo Conselho de Poluição do Estado de Haryana encontraram níveis de poluentes muito acima dos limites estabelecidos pelo Conselho Central de Controlo de Poluição. Por este motivo, os habitantes da cidade queixam-se da água imprópria para consumo e alertam para os problemas de saúde provenientes da sua ingestão.