Há mais de duas semanas que os agricultores franceses reivindicam medidas para aumentar a competitividade do setor. Mas não são os únicos. Na Bélgica, Grécia, Espanha, Alemanha ou Itália, a classe também está a lutar pela sobrevivência, tendo em comum a revolta contra as políticas agrícolas europeias.
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Nos últimos meses, a reboque de uma temporada particularmente difícil devido ao impacto das condições climáticas extremas, o setor agrícola europeu tem vivido momentos de grande angústia. A par da situação desfavorável associada às cheias ou grandes períodos de seca, surgiram ainda outros fatores que complicaram a vida de quem vive da terra: inflação, subida dos custos dos combustíveis, a chegada de produtos ucranianos isentos de direitos aduaneiros e as medidas ambientais impostas pela União Europeia (UE) em prol da transição verde.
França
Depois de o primeiro-ministro, Gabriel Attal, ter deixado algumas garantias ao setor agrícola, na terça-feira, na Assembleia Nacional, os agricultores franceses consideraram que as promessas não eram suficientemente sólidas para abandonarem os postos de protesto. Os líderes das manifestações, convocadas pelos três principais sindicatos, continuam a bloquear as principais autoestradas de França com recurso a tratores. Na manhã desta quarta-feira, noticia o jornal "Le Figaro", um comboio de veículos agrícolas estava a travar a circulação da autoestrada A1, estando o ponto de contestação fixado a apenas dois quilómetros do aeroporto Charles de Gaulle, um dos mais movimentados da Europa. De acordo com o "Le Parisien, 18 agricultores foram detidos, na manhã desta quarta-feira, em Paray-Vieille-Poste, na região de Essonne.
Emmanuel Macron, presidente de França vai reunir, esta quinta-feira, em Bruxelas, com Ursula von der Leyen, líder da Comissão Europeia, com quem irá discutir a crise no mundo agrícola. Revoltados com as polícias ambientais da UE, os agricultores aguardam boas notícias do encontro, mas não arredam pé até verem as suas reivindicações serem ouvidas. "Aconteça o que acontecer, estamos determinados a ir até o fim", disse à agência Reuters um dos manifestantes presentes numa estrada em Jossigny, perto de Paris. "Se o movimento precisar de durar um mês, então vai durar um mês", asseverou o agricultor.
Bélgica
Na Bélgica, onde os protestos foram inspirados pela revolta do Estado vizinho, os agricultores bloquearam as estradas de acesso ao porto de Zeebrugge, em Bruges. Os líderes das manifestações anteciparam que planeiam travar o acesso ao porto do Mar do Norte, o segundo maior do país, por pelo menos 36 horas.
Em Namur, capital da região francófona da Valónia, com cerca de cem mil habitantes, perto de 420 tratores encheram as ruas, de acordo com a radiotelevisão pública RTBF. Os agricultores belgas informaram ainda que vão bloquear uma das principais praças do centro de Bruxelas até quinta-feira, dia em que os líderes da UE se irão reunir para uma cimeira.
Grécia
Os agricultores gregos decidiram, esta quarta-feira, intensificar os protestos para exigir ajuda financeira e anunciaram que vão bloquear mais estradas em todo o país. Os agricultores prometeram cortar troços da autoestrada que atravessa o centro do país, onde estão a decorrer os maiores protestos, de acordo com a Imprensa local, citada pela agência EFE. Na última semana, milhares de agricultores e criadores de gado têm organizado protestos, incluindo bloqueio de estradas, contra o aumento contínuo dos custos de produção e a diminuição dos rendimentos.
O primeiro-ministro conservador da Grécia, Kyriakos Mitsotakis, anunciou na terça-feira que o Governo vai aumentar a ajuda a cada produtor da região central do país, onde as cheias de setembro passado dizimaram as colheitas. A ajuda passará dos atuais dois mil euros para um máximo de dez mil euros. Os agricultores consideram esta medida insuficiente e exigem que as indemnizações do Estado sejam pagas desde já. Outra das principais reivindicações é a revisão da Política Agrícola Comum da União Europeia, cuja aplicação, segundo clamam, reduz o rendimento para metade.
Espanha
As três principais organizações agrícolas espanholas anunciaram, esta terça-feira, a adesão ao movimento de protesto dos agricultores europeus com uma série de mobilizações em todo o país durante as próximas semanas. "O setor agrícola na Europa e em Espanha enfrenta uma frustração e um mal-estar crescentes devido às condições difíceis e à burocracia sufocante gerada pela regulamentação europeia", justificaram em comunicado, segundo a agência francesa AFP.
Os protestos foram convocados pela Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), pela UPA - União de Pequenos Agricultores e Ganadeiros e pela Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros (COAG). Os primeiros atos de protesto terão lugar à escala regional nas "próximas semanas", mas os organizadores não especificaram datas, segundo a agência espanhola EFE. Entre os motivos, referiram a necessidade de mudanças a nível da UE, nas políticas governamentais e na aplicação pelas comunidades autónomas.
Alemanha
Também na Alemanha, uma das maiores economias europeias, centenas de agricultores contestam, há várias semanas, contra o aumento dos impostos e mostraram-se preocupados com a eventual entrada da Ucrânia na UE, por considerarem que a adesão poderá afetar a distribuição dos subsídios distribuídos por Bruxelas. No início da semana, os agricultores realizaram uma marcha com centenas de tratores em Hamburgo, no Norte do país, o que causou constrangimentos no trânsito e perturbações nos portos marítimos. A contestação segue em diferentes pontos do país.
Itália
Ainda que não tenha atingido as mesmas proporções que em outros países da Europa, os agricultores italianos também se insurgiram contras a regras aplicadas pelo bloco comunitário. "A Europa está a impor-nos regras que não fazem sentido. Já não conseguimos fazer face às despesas, queremos melhorar os nossos rendimentos e que os nossos produtos sejam valorizados pelo que são", afirmou à agência AFP, Luisito Naldi, um dos líderes das manifestações em Milão, no Norte de Itália.
A Comissão Europeia propôs, esta quarta-feira, cita o jornal "Le Figaro", introduzir uma derrogação "parcial" à obrigação de pousio para o ano de 2024. Esta medida será suspensa desde que os agricultores atinjam 7% das culturas intermédias ou fixadoras de azoto. O órgão europeu também quer renovar a isenção de direitos aduaneiros para os produtos agrícolas que entram na UE a partir de junho, com "medidas de salvaguarda" para limitar os volumes dos produtos mais sensíveis.