Jérôme Rodrigues, um dos rosto dos Coletes Amarelos, defende que a prioridade, nestas eleições legislativas francesas, é "que o Macron se vá embora", recusando apelar ao voto contra a extrema-direita, apesar de criticar o seu projeto.
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Em entrevista à agência Lusa na véspera da primeira volta das eleições legislativas francesas, Jérôme Rodrigues reconhece que estava à espera que Emmanuel Macron dissolvesse a Assembleia Nacional francesa, mas não pensava que iria ser tão cedo.
"Estou satisfeito. Porquê? Porque o nosso primeiro objetivo, enquanto Coletes Amarelos, era que o Macron se fosse embora. Há cinco anos, tínhamos avisado que ele era um perigo para a França. Portanto, hoje, enquanto Coletes Amarelos, temos finalmente a possibilidade de que ele se vá embora", diz.
Apesar de ser muito crítico em relação à União Nacional (Rassemblement National (RN), em francês) - salientando que um Governo de extrema-direita "não seria bom para a França" e que o seu crescimento mostra que as pessoas não leram "os seus livros de história" -, Jérôme Rodrigues recusa apelar ao voto na esquerda.
"Eu não digo às pessoas o que têm de fazer, também não gosto que me digam. A única coisa que peço, porque este domingo vai ser o primeiro round, é que mandem o Macron para casa, e depois faremos o que temos a fazer", afirma. "Se olharmos para os factos, e de maneira concreta, quem nos fez mal tanto através das suas leis, como fisicamente, foi o Macron. Portanto, é preciso que ele parta", acrescenta Jérôme, que ficou cego de um olho numa manifestação dos Coletes Amarelos em janeiro de 2019, após a explosão de uma granada lançada pela polícia.
Figura de um movimento que sempre reivindicou a sua vertente apartidária - segundo diz, encontrou nos Coletes Amarelos pessoas que tanto votavam na extrema-direita como na esquerda -, Jérôme Rodrigues avisa, contudo, que "Bardella e Macron são exatamente a mesma coisa".
"Com qualquer um, a França vai perder-se. Têm o mesmo programa", diz, apesar de também ser muito crítico dos partidos à esquerda, a quem atribui "20% de responsabilidades" pelo crescimento da extrema-direita, considerando que os restantes 80% pertencem a Macron. "A esquerda tem, no seu ADN, o combate à extrema-direita. Quando eu era miúdo, a partir do momento em que a extrema-direita ia para a rua, eles reagiam. Hoje, o que é que se vê? Nada. Pararam de reagir", critica, deixando também um aviso aos partidos de esquerda que estejam a pensar, na segunda volta, apelar ao voto da coligação de Macron para impedir o acesso da extrema-direita ao poder.
"Vão pedir para votar naqueles que nos rebentaram os olhos e que vos chamam de antissemitas todos os dias?", pergunta, defendendo que "não deve haver nenhuma frente republicana na segunda volta". "A minha opinião é que a esquerda deve afastar o Macron e, depois, voltar ao seu verdadeiro papel de combater a extrema-direita", defende, salientando que, independentemente do resultado das legislativas, os franceses não vão ficar "com os quatro ases na mão de entre o baralho de cartas".
Jérôme assume que às vezes pensa que talvez seja necessário a extrema-direita chegar ao poder para as pessoas perceberem que não é aí que está a solução, apesar de salientar que, outras vezes, também pensa que ninguém deve passar por isso.
Manifestando-se triste com o estado a que a França chegou, Jérôme Rodrigues diz que está "como milhões de franceses que já não sabem nada". "Só sei uma coisa: deixei de acreditar na esperança. Já só acredito na energia do desespero porque, quando não tens nada, podes ganhar guerras. Mas será que vai ser preciso chegar a esse ponto?", pergunta.
Reconhece fracasso do movimento
Jérôme Rodrigues reconhece que o movimento fracassou e não conseguiu atingir os seus objetivos, manifestando tristeza com o estado a que a França chegou, na véspera da primeira volta das legislativas. "Um fracasso é um fracasso e nós não conseguimos atingir os nossos objetivos a não ser talvez um, que merece respeito: nós fomos aquela pequena pedra no sapato de Emmanuel Macron que o impediu de 'sprintar' e de implementar tudo o que queria", afirma Jérôme Rodrigues em entrevista à agência Lusa.
Fundados em outubro de 2018, inicialmente em protesto contra o anúncio do aumento dos impostos sobre os combustíveis - mas que depois se alargou a mais reivindicações -, os Coletes Amarelos chegaram a juntar, no seu momento áureo, cerca de 244 mil pessoas em várias cidades e rotundas de França.
Passados cinco anos, Jérôme Rodrigues - que ficou cego de um olho numa manifestação em janeiro de 2019, tornando-o num dos principais símbolos do movimento - reconhece que o movimento perdeu capacidade de mobilização: as manifestações dos Coletes Amarelos, organizadas todos sábados em Paris, juntam hoje "mais ou menos 200 pessoas". "Eu diria que, hoje, o movimento dos Coletes Amarelos é mais um estado de espírito que as pessoas levam no coração, com a esperança de alguma mudança", diz Jérôme Rodrigues.
Para o lusodescendente - filho de um português que imigrou para França nos anos 70 - as razões para o fracasso do movimento devem-se, em parte, à "grande diabolização e repressão" de que os Coletes Amarelos foram alvo, "com prisões, ferimentos e mutilações que levaram a que muitas pessoas tenham decidido afastar-se". "Depois, houve muitas pessoas que passaram vários meses nas rotundas sem se ocuparem da sua própria família e dos seus próximos. Também havia uma altura em que as pessoas precisavam de retomar uma vida mais ou menos normal. Ainda para mais, como não éramos militantes históricos, foi muito difícil ir aguentando no terreno", diz.
Figura de um movimento que reivindicava uma democracia mais direta - que, entre outros, defendia o projeto de criação de um referendo de iniciativa cidadã, que obrigaria a recolher mais de 700 assinaturas para ser submetido ao voto -, Jérôme Rodrigues assume hoje, na véspera da primeira volta das legislativas, tristeza com o estado a que a França chegou. "Tenho muita pena, nunca pensei que chegássemos a este estado. E, sobretudo, tenho alguma raiva contra a esquerda porque acho que não foram muito ativos e deixaram muita coisa acontecer. Deviam ter sido muito mais duros no combate ao que estamos a ver hoje: o crescimento da extrema-direita e a presença do 'macronismo'", diz.
Para Jérôme Rodrigues, o movimento dos Coletes Amarelos foi a "única oposição, cidadã, que impediu, durante um período de tempo muito concreto, que o Macron implementasse o seu programa, como acabou por implementar a partir do momento em que o movimento se apagou". "A reforma das pensões, todas as leis liberticidas que acabou por implementar, inicialmente não o conseguiu fazer devido aos Coletes Amarelos e isso, pelo menos, é uma medalha que, de alguma maneira, podemos trazer ao peito", refere.
Outro dos pontos positivos que destaca são os milhares de "cadernos de reivindicações" elaborados pelos cidadãos franceses que, a pedido do movimento dos Coletes Amarelos, escreveram "o que esperavam do poder, as suas reivindicações e as suas necessidades". "Foi um trabalho enorme que hoje está a ser estudado por académicos, investigadores, grupos de cidadãos e de onde sobressai a própria essência do que querem não só os franceses, mas mesmo a generalidade dos cidadãos do mundo", diz.
Ficou desempregado mas recusa qualquer arrependimento
Jérôme Rodrigues está desempregado passados cinco anos, e reconhece que o seu envolvimento no movimento "explodiu completamente" a sua vida pessoal e familiar, mas recusa qualquer arrependimento.
Cinco anos depois de ter sido um dos principais rostos do movimento, Jerôme Rodrigues vive num subúrbio de Paris e reconhece, em entrevista à Lusa, que o seu envolvimento nos Coletes Amarelos acabou por custar-lhe "muito caro". "Estragou-me a vida", resume Jerôme Rodrigues que, numa manifestação em 26 janeiro de 2019, ficou cego de um olho após a explosão de uma granada lançada pela polícia, tornando-o num dos principais símbolos do movimento.
Mutilado, com uma pala ou um penso no olho, Jérôme Rodrigues começou a ser presença regular nos canais televisivos, exprimindo as reivindicações dos Coletes Amarelos, uma situação que, diz agora, fez com que a sua vida pessoal e familiar tenha "explodido completamente". "É muito complicado", afirma.
À Lusa, o rosto dos Coletes Amarelos recorda os tempos em que, antes de se envolver politicamente, era "vendedor de brinquedos" - "vendia Barbies, Playmobils, esse tipo de coisas" - e ia "de férias à neve, a Portugal". "Vivia normalmente. Mesmo no início, quando entrei nos Coletes Amarelos, vivia bem. Agora, depois de ter lutado pelo aumento do poder de compra, perdi para aí 10 mil euros por ano e já não encontro emprego", refere, apesar de admitir que a sua situação está a melhorar ligeiramente.
"Tenho um biscate de duas horas por dia que me permite, pelo menos, retomar alguma atividade. Já é bom, porque há cinco anos que não encontrava nada", diz.
Para Jérôme Rodrigues - filho de um português que imigrou para a França nos anos 70 -, a sua situação atual é consequência direta do protagonismo que adquiriu no movimento dos Coletes Amarelos e em particular da exposição mediática a que foi sujeito. "Disseram tantas mentiras sobre mim: que era preguiçoso, que punha em causa a segurança da França, que batia na minha mulher, que me drogava... Como é que queres arranjar um trabalho assim? Eu também recrutei para empregos e nunca iria recrutar uma pessoa como eu", reconhece.
No entanto, apesar da sua situação atual, Jerôme Rodrigues recusa qualquer arrependimento por ter participado nos Coletes Amarelos e ter assumido tanto protagonismo, salientando que, quando decidiu envolver-se no movimento, foi porque estava a constatar "muita injustiça" e sentiu que tinha o "dever de se mexer".
"Pelo menos, agora, sinto que agi e que tentei fazer alguma coisa para mudar as coisas. Há quem não faça nada, eu pelo menos fiz", afirma, acrescentando que uma pessoa "nunca pode esquecer-se de onde é que vem". "Às vezes, estás habituado a comer carne, e tens de passar a comer massas. Foi o que me aconteceu. Mas nunca nos podemos esquecer das nossas origens, sobretudo se vimos da miséria e conseguimos subir na vida, porque se não, no dia em que voltares a cair na miséria, estás sozinho", diz.
Cinco anos depois de a sua imagem ter sido um dos símbolos de um dos principais movimentos de contestação internacionais no século XXI, Jérôme tenta agora reconstruir a vida no bairro onde cresceu, nos arredores de Paris, procurando contrariar as "pesadas consequências" que esse simbolismo lhe trouxe.