A Rússia adormeceu e acordou em alvoroço com a "rebelião" do grupo paramilitar Wagner, que já controla Rostov e terá Moscovo como alvo. Prigozhin promete "ir até ao fim" e garante que os seus homens "não se renderão". Putin fala em "traição" e "ameaça mortal", enquanto a segurança é reforçada na capital.
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O chefe do grupo Wagner reivindicou hoje de manhã a ocupação das instalações militares e o aeródromo de Rostov, cidade-chave no sul da Rússia para a guerra na Ucrânia, depois de, durante a noite, a organização paramilitar ter cruzado a fronteira russa disposta a “ir até ao fim” e "destruir" todos os obstáculos pelo caminho.
Yevgeny Prigozhin apelou a uma rebelião contra o comando militar russo, que acusou de atacar acampamentos dos seus mercenários, causando "um número muito grande de vítimas" - acusações que são negadas pelo Ministério da Defesa. E disse ter 25 mil soldados às suas ordens e prontos para morrer, instando os russos a juntarem-se a esta "marcha pela justiça", que já terá conseguido controlar a 11.ª maior cidade russa sem resistência militar ou popular.
A tomada de posição de Prigozhin, que assevera que em breve a Rússia terá um novo líder, expõe as profundas tensões dentro das forças de Moscovo em relação à ofensiva na Ucrânia. O grupo Wagner já tinha dado conta de um recuo do Exército russo em Kherson, Zaporíjia e Bakhmut, contrariando as garantias do Kremlin de que a contraofensiva de Kiev era um fracasso.
"Uma rebelião armada num momento como este é um golpe para a Rússia"
Vladimir Putin não dourou a pílula quando, num discurso à nação transmitido pela televisão pública, falou sobre a rebelião do grupo paramilitar, que considerou ser uma "traição", uma "punhalada nas costas" das tropas russas e da população, e uma "ameaça mortal" ao Estado, motivada por "ambições desmesuradas por interesses pessoais".
Recordando as "intrigas, fofocas, politiquices pelas costas do povo" que, na Primeira Guerra Mundial, considera terem levado à desintegração do Estado e à perda de enormes territórios, o líder do Kremlin garantiu que não permitirá a "tragédia" de uma nova "guerra civil", apelou à unidade e pediu "àqueles que foram pressionados a provocar esta rebelião militar" para deporem as armas.
Sem nunca identificar Prigozhin pelo nome, Putin disse que o país está a travar "a mais difícil batalha pelo seu futuro" e que "qualquer turbulência interna" é arrasadora. "Esta batalha, quando o destino do nosso povo está a ser decidido, requer a união de todas as forças, união, consolidação e responsabilidade. Uma rebelião armada num momento como este é um golpe para a Rússia, para o seu povo", afirmou o presidente russo, apoiado por políticos, deputados e líderes regionais do país.
Em reação, o líder do grupo Wagner disse que Putin se enganou "profundamente" nas acusações, descrevendo os seus combatentes como "patriotas" que estão fartos que "o país continue a viver imerso na corrupção, na mentira e na burocracia", e que não se renderão por exigência de "quem quer que seja".
Moscovo bloqueou mais de 300 quilómetros
Perante a incursão do grupo Wagner, as medidas de segurança foram reforçadas em Moscovo e "nos organismos do Estado e das infraestruturas de transporte”, avançou a agência de notícias russa TASS. Para prevenir eventuais atentados, o regime de operações antiterroristas foi introduzido em toda a região da capital e na área de Voronezh, na fronteira com a Ucrânia, informou o Comité Nacional Antiterrorista. E foram também bloqueados mais de 300 quilómetros da estrada entre Rostov e Moscovo, para impedir a chegada dos mercenários ao coração russo.
O ministério da Defesa russo prometeu "garantir a segurança" dos combatentes se se dissociarem da "aventura criminosa" de Prigozhin e indicou que, "aproveitando-se da provocação de Prigozhin para desestabilizar a situação", as forças ucranianas se estão a preparar para atacar perto de Bakhmut, no leste, assegurando que as forças russas estão a responder com aviação e artilharia.
Embaixada pede a portugueses que evitem deslocações
"A embaixada de Portugal [em Moscovo] recomenda aos cidadãos nacionais que se encontrem na Rússia que evitem locais públicos, grandes aglomerados e deslocações desnecessárias, especialmente nas regiões do Sul do país, em particular Rostov-on-Don", indica uma nota publicada no Portal das Comunidades.
O serviço diplomático aconselhou os portugueses a terem "uma atitude vigilante e seguir as orientações e recomendações de segurança que venham a ser divulgadas pelas autoridades russas". Garantindo estar "a acompanhar a situação", a embaixada disponibilizou dois contactos para os cidadãos que necessitem "em caso de emergência ou necessidade de assistência consular" (sconsular.moscovo@mne.pt e +7 (965) 348 13 28).
Zelensky: "Exemplo de autodestruição"
Reagindo à tomada da cidade de Rostov, o presidente ucraniano considerou-a um "exemplo da autodestruição" da Rússia, resultante da decisão de invadir a Ucrânia. "Quem escolhe o caminho do mal destrói-se a si próprio", escreveu Zelensky no Twitter, acrescentando que "há muito que a Rússia utiliza a propaganda para mascarar a fraqueza e a estupidez do seu Governo", mas que "agora há tanto caos que nenhuma mentira pode esconder isso".
"A fraqueza da Rússia é óbvia. Fraqueza em grande escala. E quanto mais a Rússia mantiver as suas tropas e mercenários no nosso território, mais caos, dor e problemas trará para si mesma mais tarde. A Ucrânia é capaz de proteger a Europa da propagação do mal e do caos russos", rematou.
"Assunto interno russo", diz Europa
Citados pelo Ministério da Defesa britânico, os serviços secretos militares do país estimam que o grupo Wagner esteja a controlar "áreas de segurança fundamentais" em Rostov, nomeadamente "o quartel-general que dirige as operações militares na Ucrânia", constantando que os mercenários estão a avançar daí para o norte, sendo "quase certo que têm Moscovo como alvo".
A NATO indicou estar a monitorizar a situação, tal como a Comissão Europeia e o Conselho Europeu, que a consideram um "assunto interno russo".