A Guerra Fria revisitada. Moscovo tem 1600 ogivas nucleares prontas para lançamento. "Satanás" é o maior terror do Ocidente.
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O léxico marcial da Rússia é vasto e a lista de mísseis que por lá se fazem é tão impressionante como a capacidade de destruição do Krypton, do Zircon, do Kinjal, do Iskander ou do mais temido de todos, o Sarmat Rs-28, "Satanás", como lhe chama a própria NATO, em evidente temor ao poderoso engenho balístico nuclear de Moscovo, capaz de atingir os Estados Unidos ou qualquer ponto da Europa em menos de três minutos e com efeitos devastadores. É com esta intimidação que o Kremlin anuncia o escalar da guerra na Ucrânia. Putin diz que não é "bluff".
Às palavras de Vladimir Putin - "Se a integridade da Rússia for ameaçada, utilizaremos as armas necessárias" - juntam-se as ações militares de um poder renovado por um vasto plano de reforço e modernização da máquina de guerra russa nas últimas duas décadas. A 19 de setembro de 2017, no primeiro discurso como secretário-geral da ONU, já António Guterres - também a verificar a mesma corrida na China e na Coreia do Norte - avisava que a ameaça nuclear estava "ao mais alto nível desde a Guerra Fria".
Este período de equilíbrio de terror assentava na suposta paridade nuclear e no risco de "destruição mútua assegurada", um conceito militar que assentava na convicção partilhada, entre a NATO e o Pacto de Varsóvia, de que um ataque atómico criaria uma engrenagem de retaliações que, finalmente, conduziriam à destruição do planeta. A ameaça do apocalipse foi, assim, o garante da estabilidade global.
Armas táticas
A 1 de janeiro de 2021, a Rússia dispunha um total de 6255 ogivas nucleares (5550 nos Estados Unidos), segundo estimativas do Instituto de Investigação para a Paz Internacional de Estocolmo. Desse arsenal, e segundo a mesma fonte, Moscovo tinha 1600 ogivas ativas (1800 nos EUA), prontas a ser lançadas de terra, do ar e de um qualquer submarino em qualquer parte do globo.
O investimento russo foi particularmente acentuado na última década, para modernizar o arsenal e desenvolver uma tecnologia cada vez mais poderosa e precisa. Ainda anteontem, a agência France-Presse divulgou que Putin solicitou aos patrões das empresas de tecnologia e da indústria militar que desenvolvessem e entregassem novos equipamentos militares ao exército russo "o mais rapidamente possível".
A encomenda do Kremlin visa, designadamente, desenvolver mísseis hipersónicos, bem como as chamadas armas nucleares táticas. Esta possibilidade alarma o diretor da CIA: "É possível que o presidente Putin e os dirigentes russos, perante os fracassos militares na Ucrânia, possam cair no desespero"; "disso ainda não tivemos sinais concretos, mas podem agravar-se...", acrescentou William Burns, na semana passada, como quem já adivinhava a nova ameaça de Putin.
Uma arma nuclear tática é mais pequena em carga explosiva do que uma arma nuclear estratégica. Em teoria, destina-se a um campo restrito de batalha, para atingir e deter as linhas da frente adversárias, mas pode ter um alcance de 5500 quilómetros. A máquina de guerra de Putin está já armada até aos dentes com estes aríetes atómicos.
Satã atómico
A par de todo este arsenal, Moscovo e a Praça Vermelha já puderam ver ao vivo, numa parada militar de setembro de 2019, aquela que é considerada a fisga que mais aterroriza o Ocidente. Trata-se do tal "Satanás", o RS-28 Sarmat, um míssil balístico intercontinental de 15 ogivas e de uma centena de toneladas, grande como um prédio de vários andares, mas que, ainda assim, está dotado de um sistema de dissimulação que o torna ainda mais perigoso, porque escapa à vigilância dos radares.
Segundo a Constituição russa, Putin tem "autoridade para acionar" todo este arsenal nuclear. Mas a ordem e respetiva autenticação também terão de passar, obrigatoriamente, pelo ministro da Defesa, Sergueï Choigu e pelo chefe do Estado-maior, Valeri Guerassimov. Ao presidente não basta, portanto, carregar no "red button".
Em 2020, o próprio Putin estabeleceu um regulamento nuclear para justificar o uso de uma arma atómica: o recurso de arma equivalente pelo adversário, uma ação que "ponha em causa a existência do próprio Estado", a ocorrência de disparos de mísseis balísticos contra a Rússia ou o ataque contra um local de armamento nuclear russo.