Os primeiros seis meses do governo liderado pelo Syriza, do primeiro-ministro Alexis Tsipras, tiveram importantes reflexos na Grécia e agitaram a União Europeia e a zona euro, que conheceu a crise mais séria desde a sua fundação.
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Em 25 de janeiro, a Europa do pós-Segunda Guerra Mundial assistia pela primeira vez à vitória eleitoral de um partido da esquerda radical.
O Syriza ficou à beira da maioria absoluta ao eleger 149 dos 300 deputados. Mais de 36% dos votantes foram convencidos por um programa assente no fim da intervenção da troika de credores internacionais e na necessidade em combater a grave "crise humanitária" no país, após quase cinco anos de duras medidas de austeridade em troca de dois memorandos avaliados em 240 mil milhões de euros.
"Hoje o povo grego escreveu história, a esperança escreveu história. A Grécia está a virar a página, a deixar a austeridade da catástrofe e do medo. Estamos a recuperar a nossa dignidade e soberania. (...) A era da troika acabou", declarou Tsipras após a vitória nas eleições.
Quando subiu ao poder, o Syriza também pretendia alterar a relação de forças no interior da União Europeia (UE), uma estratégia que passava pela formação de uma "aliança dos povos do sul", destinada a contrabalançar o peso do "núcleo duro" dominado pela Alemanha, a grande defensora dos programas de austeridade que na Grécia não tinham resultado: recessão económica permanente, desemprego acima dos 27%, reduções salariais que chegaram aos 60%, aumento descontrolado da dívida pública (180% do PIB), empobrecimento generalizado da população, crescentes protestos sociais.
Os primeiros embates entre as duas partes, e com a Grécia representada pelo então ministro das Finanças Yanis Varoufakis, não foram pacíficos. E depressa foi visível a animosidade entre o mediático ministro grego e o seu homólogo alemão, Wolfgang Schäuble, e o chefe do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem.
"A minha obrigação de respeitar o mandato claro dado pelo povo grego sobre pôr um fim às políticas de austeridade e regressar a uma agenda de crescimento de forma alguma implica que não cumpramos as nossas obrigações de empréstimos para com o BCE ou o FMI", justificou Tsipras em 29 de janeiro.
No final de fevereiro, data em que terminava o segundo programa de resgate à Grécia, foi por fim anunciado um acordo após negociações muito turbulentas, com Atenas a acusar Bruxelas de emitir "ultimatos e chantagens". Os credores concordavam numa extensão do programa até ao final de junho, mas dependente da aplicação de reformas. E a última parcela do segundo empréstimo internacional, no valor de 7,2 mil milhões de euros e vital para a Grécia, permanecia congelada.
"Um eixo liderado por Espanha e Portugal tentou levar-nos ao abismo. O plano era, e é, desgastar-nos, derrubar o nosso Governo e levar-nos à rendição antes que o nosso trabalho comece a dar frutos e o exemplo da Grécia afete outros países", revelou o primeiro ministro grego em 28 de fevereiro.
Em paralelo, o novo Governo, uma coligação do Syriza com a direita soberanista dos Gregos Independentes (Anel, 4,8% e 13 deputados) fazia eleger pelo parlamento o novo Presidente da República, Prokopis Provopoulos, proveniente da área conservadora, e adotava as primeiras medidas sociais, em oposição aos desejos dos credores.
No entanto, e durante estes seis meses, quase todas as energias foram canalizadas para as complexas negociações com os credores internacionais, União Europeia (UE), Banco Central Europeu (BCE) e Fundo Monetário Internacional (FMI).
"[É preciso negociar um acordo] que não repita o círculo vicioso de austeridade, miséria e pilhagem. Caso [o acordo] exceda este mandato, o povo grego terá de decidir", declarou Tsipras em 28 de abril.
"Não vamos aceitar condições humilhantes nesta negociação [com os credores]. A grande maioria social não pode pagar novos ajustes", insistiu em 23 de maio.
O impasse negocial e o agravamento da crise económica conheceram um ponto de rutura em início de julho, quando após mais uma inconclusiva reunião em Bruxelas, Alexis Tsipras anunciou a realização de um referendo sobre a última proposta dos credores e "pretendia humilhar todo um povo" por conter medidas que ultrapassavam diversas "linhas vermelhas" previamente estabelecidas: impedir o aumento do IVA, sobretudo nas ilhas, proteger os contratos coletivos, as reformas, os salários.
Os resultados do referendo significaram uma importante vitória política para Tsipras, com o "Não" ao acordo a recolher quase 62% dos votos expressos.
"Mesmo nas circunstâncias mais difíceis, a democracia não pode ser chantageada. Os gregos fizeram uma escolha corajosa [rejeitaram em referendo as propostas dos credores internacionais com 61% de votos no 'Não' e 39% no 'Sim'], que vai mudar o debate na Europa", frisou o primeiro-ministro grego a 7 de julho.
A campanha decorreu com os bancos fechados, limitações aos levantamentos e uma enorme incerteza sobre o futuro da Grécia. Para a oposição, e para as instituições europeias, o voto "Não" significava a inevitável saída da zona euro ("Grexit"), e provavelmente da própria UE, e num momento em que Atenas já tinha entrado em incumprimento face ao FMI.
Para Tsipras, e pelo contrário, esta vitória política deveria permitir-lhe garantir uma posição mais vantajosa em novas negociações. Assim, decidiu "sacrificar" o ministro das Finanças Varoufakis, substituído por Euclid Tsakalotos, enquanto os dirigentes da zona euro endureciam posições.
O novo plano de intervenção para a Grécia, anunciado na manhã de 13 de julho após 17 horas de árduas negociações e aprovado "por unanimidade", foi entendido com uma derrota em toda a linha para Atenas.
O acordo, justificado pelo líder do Syriza para "evitar o caos" forçou o Governo a fazer aprovar por duas vezes no parlamento duras reformas pedidas pelos credores, decisivas para o início das conversações para um terceiro resgate que deverá rondar os 87 mil milhões de euros.
A cedência face a diversas "linhas vermelhas" motivou dissensões no grupo parlamentar do Syriza, e Tsipras foi forçado a uma remodelação governamental que atingiu a sua "ala esquerda", mas parece ter conseguido evitar uma crise política grave e eleições antecipadas. Em paralelo, a sua taxa de popularidade mantém-se quase intocável, e com a oposição à sua direita ainda muito enfraquecida.
A Grécia vai permanecer sujeita ao fardo da austeridade, mas as relações entre centro e a periferia da UE nunca mais serão iguais. Como aliás parece ter reconhecido o próprio presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, no rescaldo destes alucinantes seis meses. "Foi o medo que permitiu o acordo (...). A construção europeia, nascida da vontade dos povos, converteu-se num projeto de elite, o que explica o abismo entre as opiniões públicas e a ação política".