Vasyl Kovpak mora em Portugal e fala ucraniano. Ricardo Castanheira é enfermeiro e garante, com a ajuda de amigos, o suporte financeiro que cobre a viagem entre Lisboa e a Polónia. Conheceram-se nas redes sociais, num movimento de solidariedade com o povo ucraniano e arrancaram, na passada quarta-feira, com uma missão: trazer refugiados para Portugal. Chegam esta madrugada, com três mulheres e três crianças.
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Eram quatro da manhã de quinta-feira. Vasyl e Ricardo tinham feito uma pausa na viagem. Estavam numa estação de serviço, na Polónia. Ao lado, no país vizinho, um edifício da central nuclear de Zaporizhzhia, na Ucrânia, ardia, fruto de bombardeamentos. Sem conseguirem acompanhar as notícias pela rádio por não falarem polaco, e contidos na utilização de dados móveis para garantirem um contacto de emergência, foram avisados do incêndio pelo WhatsApp, por outro voluntário. E os planos mudaram.
"Ainda nem havia notícias disso. Alguém o avisou e depois ele partilhou com a rede de contactos que tinha. Senti que estava a caminhar para o abismo", confessa Ricardo, de 39 anos, ao JN.
Na iminência de uma eventual explosão nuclear, da qual nunca escapariam ilesos, começaram a traçar estratégias para, como se num milagre, conseguissem atenuar as consequências de uma catástrofe. "Tivemos uma conversa na casa de banho. E o Vasyl sugeriu uma coisa que a mãe lhe tinha contado: num copo com água, juntar quatro gotas de Betadine e beber para amenizar a radiação. Agora parece ridículo, mas na altura fazia sentido", admite Ricardo. E Betadine era o que não faltava na carrinha alugada, que seguia carregada de medicamentos e produtos de primeiros socorros.
Certo é que o objetivo de ir até à fronteira com a Ucrânia caiu naquele momento. Estavam perto de Varsóvia e, portanto, havendo refugiados na cidade, "pegavam em quem tivessem de pegar" e seguiam viagem.
Trazem três mulheres e três crianças
Para Portugal, trazem três mulheres e três crianças: uma senhora com uma filha, que tem família em Aveiro, e duas irmãs, uma delas, mãe de uma menina e um menino, cujo pai e avós estão em Leiria.
"É muito difícil conviver com as imagens a que temos sido sujeitos. Fui pai e isso cria logo outro tipo de intensidade. Cria-se de imediato uma empatia com quem tem filhos e tem de os deixar. Também senti esse medo", admite Ricardo, que quase não conseguiu conter a emoção quando viu uma das meninas ucranianas. A semelhança com uma das suas três filhas reforçou de imediato o porquê de ter decidido aventurar-se.
Até porque não sabiam quem iam buscar. "Iríamos onde nos dissessem que seríamos necessários", diz o enfermeiro de 39 anos, que está a trabalhar por conta própria, não tendo qualquer limitação, além de, naturalmente, ter de deixar as filhas com a mãe, para seguir viagem.
Para Vasyl, de 30 anos, a logística foi ainda mais simples. Está em Portugal há 20 anos. Os pais procuravam uma vida melhor. Está a terminar o curso de controlador de tráfego aéreo. Com uma pausa de três semanas, tem "disponibilidade" e "quer ajudar".
Vasyl soube do movimento através do irmão de uma amiga, que já tinha aderido. "Explicou-me o conceito, adicionou-me e caí ali de paraquedas. Disse que sou fluente em ucraniano, que me disponibilizava para ir mas que não tinha carro".
"Tenho muito carinho pela Ucrânia. Sou patriota e tenho acompanhado o conflito desde 2014, com a anexação da Crimeia", diz Vasyl.
Ricardo foi o primeiro a formar dupla com Vasyl. Tendo como parceiro alguém fluente na língua, a jornada tinha tudo para dar certo. E deu. Prevê-se que cheguem esta madrugada, entre a uma e as duas da manhã.
Dupla prepara próxima jornada
Cada voluntário tem que suportar as suas despesas. Pode fazê-lo por conta própria ou reunir donativos. Vasyl pediu a contribuição de cinco ou dez euros aos amigos. Conseguiu juntar uma parte do montante necessário, mas não os mil euros que custa a viagem. Ricardo fez o mesmo. "Tinha falado a um grande amigo, que por acaso é o meu dentista, que fez uma série de contactos e me disse que o dinheiro não seria impedimento para ir", conta o enfermeiro, confessando que "precisava mais de apoio do que de dinheiro".
"Recolhemos as faturas de tudo o que gastamos, eu pago, e depois acertamos com esse meu amigo", esclarece Ricardo.
E a dupla já pensa até em repetir a viagem. "Inicialmente nem sabíamos como ia ser. Era 'one shot'. Trazíamos algumas pessoas e pronto. Missão cumprida. Depois de todos os contactos que tivemos, de ver as pessoas e do grande movimento humanitário que se criou, estamos a pensar em voltar na segunda ou na terça", admite Vasyl.
Os tios, primos e muitos amigos que tem na Ucrânia estão em Lutsk. Uma zona que, para já, diz Vasyl, "está tranquila" e, portanto, "não querem sair".