Diplomata de mil facetas. Encantador e detestável. Negociador afável e implacável. O ministro russo dos Negócios Estrangeiros desperta tanta admiração como repulsa.
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O rosto esfíngico que, vá-se lá saber por que carga d'água, figura entre as tshirts mais vendidas aos turistas nas lojas de lembranças de Moscovo, é também o do homem que desperta tantas sensações antagónicas. Além do diplomata hábil e tenaz, a Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, descrevem-no como um tipo carregado de personalidades divergentes, que usa de bom grado, conforme reclamem as situações. Eis, então, este fiel escudeiro de Vladimir Putin: charmoso, sedutor, mordaz e brutal quanto baste nos corredores das negociações internacionais.
Sergey Viktorovich Lavrov faz 72 anos daqui a duas semanas, a 21 de março. Filho de pai arménio e de mãe russa, é moscovita de gema e também um trota-mundos, por obrigação profissional, iniciada mal acabou a licenciatura, no prestigiado Instituto de Relações Internacionais de Moscovo. Nesse 1972, aos 22 anos, foi logo destacado para a embaixada da URSS no Sri Lanka. Foi porque, simplesmente, aprendeu a falar cingalês, da mesma maneira que, para lá do russo maternal, aprendeu a dominar fluentemente outros dois idiomas universais, como o francês e o inglês.
A fluência expressiva de Sergei Lavrov acabaria por lhe ser de toda a utilidade para o domínio da retórica de guerra que o tem distinguido nas últimas semanas e que já o destacava na hora de dirimir com os congéneres internacionais nas últimas três décadas. Foi neste tempo que o incombustível chefe da diplomacia russa, ministro desde 2004, granjeou tanto de admiração como de repulsa.
O "senhor Niet", o "senhor Não", como o batizou um padrinho de respeito - esse mesmo, Andrei Gromyko, ministro dos Estrangeiros da URSS durante 30 anos -, para lhe sublinhar a irredutibilidade de negociador implacável, era já muito bem conhecido dos bastidores da diplomacia quando foi nomeado ministro. Antes disso, esteve 10 anos a chefiar a missão da URSS na sede da ONU, em Nova Iorque.
Foi ali, na "Big Apple", que Sergei se notabilizou, a tomar o partido da Rússia nas discussões sobre os conflitos na extinta Jugoslávia, no Iraque, no Médio Oriente ou no Afeganistão. Partida da história: foi também por essa altura, em 1994, que assinou o Memorando de Budapeste, no qual a Rússia garantia a segurança das fronteiras da Ucrânia que agora ataca.
O russo que num simples trejeito muda o esgar austero e inflexível para um semblante de insuspeita bonomia também colecionou, lá por Nova Iorque, uma série de episódios marcantes de uma personalidade enxofrada. Que o diga Kofi Annan! Um dia, o ganês, sétimo secretário-geral da ONU (1997-2006) lembrou-se de proibir o tabaco e teve de suportar uma reação irada do diplomata de Moscovo, também conhecido por acender um cigarro com os outros.
Tirando o puro malte escocês e a cozinha italiana, o modo efervescente de Lavrov também sempre se manifestou contra tudo o que diga respeito ao Ocidente. O ministro russo é também reconhecido por nutrir especial aversão ao Reino Unido: em 12 de setembro de 2008, a propósito do conflito com a Geórgia na Ossétia do Sul, destratou o homólogo britânico, David Miliband: "Who are you to fucking lecture me?" ("Quem raio é você para me estar estar a dar lições?").
Mais recentemente, em meados de fevereiro, Lavrov armou uma cilada a outra congénere de Londres, Liz Truss, que foi a Moscovo para tentar evitar a guerra na Ucrânia: "Reconhece a soberania da Rússia sobre as regiões de Rostov e Voroneh?", perguntou o ministro russo, ao que, muito ingenuamente, a inglesa respondeu que não, que "nunca reconhecerá" a autoridade de Moscovo, escapando-lhe que as regiões as cidades citadas se localizam em território russo, embora próximas da fronteira com a Ucrânia.
A emboscada geopolítca serviu para Lavrov expor "a impreparação" da interlocutora e quase arrumar o assunto logo por ali. O ministro russo aproveitou para voltar ao que também considera ser "o frenesim russófobo" na Europa e voltou a ameaçar o Ocidente, no decalque de um artigo publicado em 2021 na revista Russia Global Affairs: "Chegou a altura de, simplesmente, o Ocidente reconhecer que existem outras formas de governar, diferentes das abordagens ocidentais, e respeitar e aceitar isso como um dado adquirido".
Para traçar o perfil de Sergei Lavrov, eis o contributo de Rex Tillerson, secretário de Estado americano na Administração Donald Trump: "Podemos dançar com a Rússia e talvez levar algo mais. Mas não podemos dançar com Lavrov, porque ele não está autorizado a dançar".