Ministro da Justiça, estrela do Governo brasileiro, sai em rutura com o presidente, que acusa de interferência política.
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"Não é bom". O homem cuja efígie sempre surgiu ao lado da de Jair Bolsonaro nas manifestações de apoio à candidatura à presidência do ex-capitão de inspiração ultradireitista e saudoso da ditadura e, depois, de defesa de um presidente acossado dentro e fora do Brasil, o homem que é a razão invocada por muitos para darem o seu voto a Bolsonaro - e elegê-lo -, que muitos gostariam de ver, até, candidatar-se mais adiante, esse homem, Sérgio Moro, o ex-juiz que se inspirou em Giovanni Falcone e prendeu, por corrupção, o antigo presidente e ícone da Esquerda Lula da Silva, bateu mesmo com a porta, como se anunciava. Porque não aceita trabalhar para um presidente que acusa de "interferência política" em questões policiais, porque não aceita manchar a carreira de luta contra essa corrupção que elevou a inimigo número 1. Aguentou 480 dias.
"Não é bom". Diz Hamilton Mourão, vice-presidente de Bolsonaro e militar mais graduado do Governo brasileiro, que se suporta, essencialmente, nos militares.
Moro saiu porque Bolsonaro cumpriu o que vinha ameaçando fazer há alguns meses, sem apresentar motivos: arrumou com Maurício Valeixo da Direção-Geral da Polícia Federal (PF). Valeixo que ali fora colocado por Moro, investido de "carta branca" quando Bolsonaro o convidou para ministro da Justiça e Segurança Pública, em 2018. Alçado à condição de "superministro" contra a corrupção, podia escolher nomes e assegurar a autonomia do sistema. E ficar com as forças policiais.
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Bolsonaro já tentara tirar essa prerrogativa a Moro, ameaçando reativar o Ministério da Segurança Pública. Agora, mexeu diretamente nas forças à revelia do ministro que as tutela. E fez publicar a exoneração de Valeixo no Diário Oficial com a sua assinatura eletrónica e a de Moro. Fraude, acusou o ministro, nos 40 minutos de declaração à Comunicação Social. Não assinou nada.
Moro ainda tentou, anteontem, falar com Bolsonaro para encontrar um nome consensual para a PF e "evitar uma crise política durante uma pandemia" que devia ser "o foco" da governação (a recente demissão do ministro da Saúde provara já que não é, pelo menos para o negacionista presidente). Debalde.
"O presidente disse-me várias vezes que queria ter uma pessoa de contacto pessoal, a quem pudesse ligar, colher relatórios de inteligência", disse o ex-juiz. Porque a PF investiga a ligação de um filho de Bolsonaro a notícias falsas e os atos apelando à intervenção militar contra instituições federais que o chefe de Estado apoiou.
"Imaginem se durante a Lava Jato a então presidente Dilma ficasse ligando para o superintendente em Curitiba para colher informações sobre as investigações...". A interferência política, continuou Moro, é algo com que não pode concordar e que nem Dilma, sucessora de Lula, mexeu com a autonomia da PF.
Responde à letra
Como bom militar, Bolsonaro respondeu com todas as armas. "Desculpe senhor ministro, mas o senhor não vai me chamar de mentiroso". Admitiu que queria informações e relatórios, "implorava" até, mas não sobre andamento de processos, e que a autonomia da PF não é soberania. E acusou Moro de ignorar o caso da facada de que foi alvo em campanha e preferir preocupar-se com o assassínio de Marielle Franco, ativista e vereadora do Rio de Janeiro.
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Quanto a Valeixo, Bolsonaro questiona como não pode exonerar um diretor se pode demitir um ministro. "O dia em que eu tiver de me submeter a um subordinado, deixo de ser presidente da República", disse, afirmando lutar "contra o sistema" e denegrindo a imagem de Moro ("uma coisa é admirar uma pessoa, outra é conviver"), que, garante, lhe disse que aceitaria a troca de Valeixo se recebesse um lugar no Supremo Tribunal Federal, sonho que teria sido condição para aceitar ser ministro.
Moro negara-o horas antes. Nunca, diz, teria assumiria um cargo pensando noutro. Depois, desmentiu que usara isso como moeda de troca quanto a Valeixo. O Ministério, ao cabo de 22 anos de magistratura de que se orgulha, foi aceite porque, disse-o na altura, estava "cansado de tomar bola nas costas". A maior, levou-a de Jair Bolsonaro, o homem que ajudou a eleger e que vale muito menos do que ele aos olhos dos brasileiros.