O "sim" liderava com 52,7% a votação do referendo sobre as alterações constitucionais na Turquia, quando estavam contados 90% dos votos, com a oposição a alegar irregularidades eleitorais.
Corpo do artigo
O Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata e principal força da oposição) criticou a decisão da Comissão Eleitoral em aceitar como votos válidos os boletins que não possuíam o seu carimbo oficial.
O vice-presidente do CHP, Bulent Tezcan, considerou, em declarações aos 'media', que esta decisão implica que os resultados do referendo constitucional "vão enfrentar um sério problema de legitimidade".
A Suprema Comissão Eleitoral anunciou esta decisão sem precedentes após muitos votantes terem referido que os boletins de votos que lhes foram fornecidos não possuíam o obrigatório carimbo oficial. A comissão considerou que os boletins de voto apenas podem ser considerados inválidos caso seja provado que foram introduzidos nas urnas de forma fraudulenta.
O referendo converteu-se num plebiscito pela identidade da nação, e fraturou o país. Dos quatro partidos com representação parlamentar, dois apoiaram as alterações constitucionais (AKP e os ultranacionalistas do MHP), e dois fizeram campanha contra, os sociais-democratas do CHP e o HDP.
O Presidente Recep Tayyip Erdogan e o islamita Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), que fundou em 2001, consideram estas alterações essenciais para evitar negociações de coligação e governos frágeis, caso não existam maiorias absolutas, uma situação frequente na Turquia até à subida do seu partido ao poder, após as legislativas de novembro de 2002.
No entanto, a personalidade do chefe de Estado contribuiu para dividir o eleitorado, com o seu discurso inflamado a favor do islão como identidade da Turquia e contra o "ocidente", em particular contra a União Europeia (UE), nos últimos meses remetida para inimigo da nação euroasiática.
Nenhuma das 18 emendas constitucionais aborda questões religiosas, mas parece óbvia a aposta de Erdogan em cimentar a religião como base da nação e destacar a presença do véu islâmico na vida pública como uma das suas grandes conquistas.
A grande afluência às urnas, tradicional na Turquia e que parece confirmada, deve-se ainda ao fervor em cumprir o "dever cidadão".
Nos seus discursos de campanha, Erdogan comparou as alterações referendadas com os objetivos impostos no passado por Mustafa Kemal Atatürk, o fundador em 1923 da moderada república laica, sobre os escombros do império otomano.
"Com esta alteração, o nosso povo vai decidir um salto no seu desenvolvimento. Temos de fazer uma eleição pouco usual para garantir o objetivo de Mustafa Kemal Atatürk de alcançar as civilizações contemporâneas", assinalou em diversas ocasiões.
O voto dos curdos, cerca de 16% dos 80 milhões de habitantes, era uma das principais incógnitas do referendo e poderia fazer pender o resultado para o "sim" ou para o "não".
Diversos setores curdos conservadores apoiaram o AKP, mas a maioria tem-se reconhecido no Partido Democráticos dos Povos (HDP, terceira força política no parlamento), que apelou ao voto contra a revisão constitucional e denunciou uma campanha desigual, em particular um tempo de antena quase inexistente.
Os dois copresidentes do HDP, Selahattin Demirtas e Figen Yüksekdag, estão atualmente detidos, juntamente com numerosos deputados do partido, acusados de ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), organização considerada "terrorista" pela Turquia e pelos seus aliados ocidentais.
O HDP afirma que são detenções puramente políticas, devido às suas críticas à revisão constitucional.