Russos e ucranianos usam rede para comunicar de forma segura. Plataforma tem 700 milhões de utilizadores ativos mensais.
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Serve os dois lados da barricada, mas a sua popularidade já era anterior ao conflito, ao ser considerada uma plataforma de comunicação segura tanto para grupos criminosos e terroristas como para ativistas que encontraram na encriptação uma forma de proteção que escapa ao controlo das autoridades ou a atos de perseguição política.
Daí que não seja estranho que o Telegram seja, desde há um ano, usado como uma arma digital por russos e ucranianos sem distinção. É lá que que se passa informações sobre o inimigo ou se ajuda os civis com indicações sobre locais de bombardeamentos ou vias de fuga. É lá que estão também as imagens da violência nas frentes de combate, que a imprensa, a reboque da deontologia, e as redes sociais, ao arrepio das suas políticas, se recusam a exibir. Ou então os apelos que os autarcas, sobretudo ucranianos, querem que chegue a todo o Mundo e onde Zelensky é apenas o expoente máximo dessa forma de comunicar.
Quando a guerra eclodiu, em fevereiro do ano passado, muitos sabendo da popularidade da aplicação perguntaram ao seu cofundador se o Telegram seria "de alguma forma menos seguro para os ucranianos". A questão não era descabida uma vez que Pavel Durov já tinha morado na Rússia. Para assegurar que "agora mais do que nunca" a privacidade não estava comprometida, Durov, que em 2016 foi apelidado pela Forbes como "o Mark Zuckerberg da Rússia", quebrou o silêncio.
A 7 de março afastou os temores cibernéticos que pairavam desde o início do conflito. Recordou quando, em 2013, era CEO da maior rede social da Rússia e da Ucrânia, a VKontakte (VK), e se recusou a partilhar os dados sobre os seus utilizadores com os serviços secretos russos. "Isso significaria uma traição aos nossos utilizadores ucranianos", afirmou, explicando que essa decisão lhe custou o despedimento da empresa que fundara e o exílio da Rússia. Ainda assim, disse, "faria tudo de novo, sem hesitar", contou o ano passado no seu canal de Telegram.
Com esta plataforma, a história repetiu-se, uma vez que viria a ser erguida sob a mesma égide da VK: proteger a privacidade dos seus utilizadores. Por isso, em 2018, a justiça russa voltou à carga e decretou o bloqueio da aplicação de mensagens encriptadas no país. No entanto, como o seu acesso era repetidamente contornado, a Rússia viu-se obrigada a suspender a sua proibição em meados de 2020. O "The Washington Post" chegou mesmo a escrever que o empresário "humilhou e superou" o regulador de telecomunicações estatal da Rússia "ao socorrer-se de uma combinação de táticas astutas" para fazer com que o serviço continuasse a crescer.
Hoje em dia, o Telegram figura entre as cinco aplicações mais descarregadas do mundo. Segundo a empresa, que está sediada no Dubai, e que o JN tentou contactar sem sucesso, no verão do ano passado ultrapassou os 700 milhões de utilizadores ativos mensais. Quando estalou a guerra, Durov ainda equacionou fechar o serviço na Ucrânia e na Rússia. Não queria que o Telegram fosse usado como uma ferramenta que exacerbasse "conflitos" e incitasse "ao ódio étnico".
No entanto, como explicou no seu canal, viria a recuar e a abandonar essa ideia após inúmeros pedidos de utilizadores que alegavam que a plataforma era a "única fonte de informação" em que confiavam. Sem surpresa, a maioria das críticas à plataforma vem de dirigentes de outras redes concorrentes de mensagens encriptadas, como o WhatsApp ou o Signal. Foi o que aconteceu, em 2022, com Moxie Marlinspike, criador do Signal, que no Twitter dirigiu-se aos ucranianos, lembrando que o Telegram não é assim tão encriptado como as pessoas pensam.
Perfil
Pavel Durov tem 38 anos e é o fundador, proprietário e atual CEO do Telegram, que lançou em 2013 juntamente com o irmão. Atualmente, já não mora na Rússia, nem tem empresas ou funcionários lá. Deixou o país em 2014, depois de perder o controlo da sua empresa anterior, a VK, fundada em 2006, por se recusar a entregar os dados de utilizadores ucranianos às agências de segurança. Além de morar no Dubai, Durov tem dupla cidadania dos Emirados Árabes Unidos e da França. "Uma coisa permanece a mesma - eu defendo os nossos utilizadores, não importa o que aconteça. O direito à privacidade é sagrado", garantiu em março do ano passado.

