TPI encerra escritório em Caracas por falta de cooperação das autoridades venezuelanas

Investigação ao Governo venezuelano começou em 2018, quando foram apresentadas denúncias de repressão durante protestos antigovernamentais
Foto: Miguel Gutierrez/EPA
O Tribunal Penal Internacional (TPI) anunciou que vai encerrar o escritório em Caracas por falta de "progresso real" em matéria de "complementaridade" com as autoridades venezuelanas.
O anúncio tem lugar depois de, na sexta-feira, o TPI confirmar que continua a investigar alegados crimes contra a humanidade cometidos na Venezuela.
"Após um trabalho contínuo, determinámos que o progresso real na complementaridade continua a ser um desafio. Por conseguinte, e conscientes da necessidade de gerir eficazmente os nossos recursos limitados, decidimos encerrar o nosso escritório em Caracas", anunciou o procurador-adjunto do TPI durante uma intervenção na Assembleia dos Estados Partes do Estatuto de Roma (documento que define os princípios fundamentais, jurisdição, composição e funções da instância judicial internacional), realizada em Haia.
Mame Mandiaye Niang explicou que a investigação do TPI "mantém-se centrada e ativa" graças ao trabalho de uma equipa dedicada e unificada, juntamente com parceiros, "e, como sempre, guiados pelas evidências e pela lei".
Em 28 de novembro, o TPI confirmou que continua a investigar crimes contra a humanidade na Venezuela, depois de em setembro o Procurador-chefe Karim Khan se ter afastado por alegado conflito de interesses.
"O trabalho do TPI relacionado com a Venezuela continua a avançar. A investigação sobre crimes contra a humanidade alegadamente cometidos na Venezuela desde 2014 não foi interrompida. O Ministério Público continua a recolher todas as provas disponíveis, em conformidade com as suas obrigações ao abrigo do Estatuto de Roma", explicou então o porta-voz do tribunal, Francisco González Centeno, num vídeo divulgado na Internet.
De acordo com o responsável, "a confidencialidade deste processo é fundamental para preservar a integridade dos procedimentos".
"Se forem solicitados mandados de prisão ou intimações para comparecer, o Ministério Público vai apresentá-los aos juízes do Tribunal, que decidirão sobre o assunto. De acordo com o regulamento vigente do TPI, os pedidos de mandados de prisão ou intimações para comparecer devem ser confidenciais, salvo autorização em contrário por parte dos juízes. Isso significa que esses pedidos devem permanecer em sigilo e só podem ser tornados públicos com a permissão dos juízes", referiu na mesma ocasião.
Conflito de interesses
Em 2 de setembro deste ano, o TPI confirmou o afastamento do Procurador-chefe Karim Khan da investigação sobre crimes contra a humanidade na Venezuela, após lhe ter sido concedido o prazo de três semanas para se retirar do caso, pela existência de "motivos razoáveis" para um eventual conflito de interesses.
O tribunal concluiu que os laços familiares e profissionais de Khan com membros da equipa jurídica que representava o regime venezuelano "eram suficientes para que um observador imparcial e razoável, devidamente informado" pudesse suspeitar de uma possível parcialidade no caso conhecido como Venezuela I.
Segundo a Fundação Arcadia, a advogada Venkateswari Alagendra é cunhada de Karim Khan e já representou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, perante o TPI.
A investigação contra o Governo venezuelano começou em 2018, quando foram apresentadas denúncias de repressão durante protestos antigovernamentais ocorridos em 2014.
Em dezembro de 2021, o TPI anunciou que decidiu avançar com uma investigação ao Governo venezuelano por alegadas violações dos direitos humanos, incluindo alegada violência contra a oposição e a sociedade civil.
Em janeiro de 2022, o TPI anunciou que dava mais três meses, até 16 de abril, ao Governo venezuelano para revelar os resultados de investigações a crimes humanitários na Venezuela. O TPI rejeitou, três meses depois, um pedido de Maduro para adiar as investigações sobre crimes contra a humanidade cometidos na Venezuela, alegando que as denúncias estariam a ser investigadas internamente.
Em junho de 2023, Karim Khan e Nicolás Maduro assinaram um acordo para abrir, em Caracas, um escritório de cooperação técnica daquele organismo.
Já em fevereiro do ano passado, o Governo venezuelano suspendeu as atividades do gabinete de assessoria técnica do alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, e deu 72 horas aos funcionários para abandonarem o país.
Venezuela acusa TPI de "colonialismo legal"
O Governo da Venezuela acusou o TPI de abandonar as suas obrigações para justificar o "colonialismo legal" contra Caracas. "A Venezuela tem-se empenhado de boa-fé com a Procuradoria do TPI num processo que, ao que tudo indica, não se enquadra nas disposições do Estatuto de Roma, mas que procura satisfazer a agenda anti-Venezuela promovida pelos centros hegemónicos", afirmou o ministério venezuelano dos Negócios Estrangeiros, na segunda-feira.
O Governo da Venezuela considerou na plataforma de mensagens Telegram que "é muito óbvio" que não foram cometidos crimes contra a humanidade no país, algo demonstrado, "a todos os níveis", num processo que denunciou como "manipulado para fins geopolíticos".
"Apesar disso, a Venezuela, num claro espírito de cooperação internacional, comprometeu-se com mecanismos de complementaridade positiva visando o reforço das capacidades nacionais para garantir a administração eficaz da justiça no nosso país, reafirmando que a jurisdição primária venezuelana é insubstituível", acrescentou o ministério.
O Governo da Venezuela lamentou que, apesar de terem passado sete meses desde a inauguração do escritório em Caracas, o TPI "nunca nomeou pessoal para ocupar estes espaços".
"Também não formulou contributos e recomendações em relação às diversas iniciativas da Venezuela, desconsiderando irresponsavelmente as responsabilidades anteriormente assumidas", destacou o Executivo do Presidente Nicolás Maduro.
Caracas acusou ainda a agenda do TPI no país de ser "muito clara: lavar as mãos e não fazer nada para depois instrumentalizar a justiça para fins políticos".
